Boa noite e boa sorte
O Governo teve tempo desde Agosto, aquando da quinta revisão da troika,
para preparar o debate sobre o prometido corte de quatro mil milhões de
euros. Até terça-feira limitou-se a ideias soltas, polémicas semânticas
e, depois, um silêncio perturbante.
Perdeu-se aí a primeira
oportunidade de discutir bem um assunto sério. Se iniciasse a discussão
pela sustentabilidade da saúde pública e dos apoios sociais – face ao
inevitável envelhecimento da população –, não vejo como o PSpodia fugir
da conversa.
Agora, a um mês e meio da meta definida, o relatório
do FMI caiu como uma bomba. Sendo válido do ponto de vista técnico, é
explosivo do ponto de vista social e político. Simplesmente por isto:
não é possível começar um país do zero. Nem desejável.
O impacto
foi de tal forma que voltaram as lamentáveis divisões no Governo. A
primeira é entre políticos e técnicos. Sobre isso, só vejo vantagens em
que todos estejam no Executivo. Só é preciso que se coordenem, de uma
vez por todas.
A outra divisão é, porém, muito mais perigosa. PSD e
CDS têm na sua raiz identitária a necessidade de se cortar despesa
pública. Ao contrário do que se passou com o aumento de impostos, nenhum
tem razões para evitar um compromisso. Falhar aqui será não só o
falhanço do Governo, mas também do compromisso de cada um deles com os
seus mais fiéis eleitores.
TC e oposição
Leio o pedido de
fiscalização do Orçamento entregue pelos socialistas e espanto-me. Toda a
argumentação para que seja declarada a inconstitucionalidade do OE é
baseada em contas que nem eu, que não sou economista, me recusaria a
subscrever. Mas o pedido foi subscrito até pelo líder do PS.
Conhecendo
o processo como ele foi, é fácil perceber como é possível aquela
ligeireza. O documento começou por ser preparado na ala do PS crítica da
direcção – sem apoio técnico correspondente ao nível económico. Ao
invés, o trabalho político foi tão bem feito que o pedido contava já com
mais de 30 deputados do partido.
Foi aí, e só a meio do
percurso, que a direcção tomou a decisão de se juntar. Condicionou a
recta final, colando o pedido ao do Presidente para evitar riscos
maiores. Mas sem os cuidados que merecia tal acto.
O resultado é
mau, pelo que revela os problemas com que se depara o principal partido
da oposição. Mas mostra mais: o risco que é deixar a juristas, mesmo que
muito qualificados, uma decisão tão complexa do ponto de vista
financeiro.
Dito isto, oxalá no Palácio Ratton existam assessores
económicos à altura do momento (e da situação do país). Até porque este
ano eles vão ter nas mãos o essencial da construção de um Orçamento.
Vão ter que julgar o aumento de impostos, vão ter que julgar os cortes
na despesa. E vão ter que pesar a dependência de Portugal do
financiamento externo. É claro que a decisão é jurídica, mas aquele
documento é o Orçamento de Portugal.
Tudo isto lembra-me o título de um belo filme: «Boa noite, e boa sorte!».
IN "SOL"
14/01/13
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