15/12/2012

ANTÓNIO MARINHO E PINTO

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Importação de prostitutas 

Há três semanas, comentei no programa "Justiça Cega", da RTP Informação, o caso de uma jovem brasileira que vendera a sua virgindade a um empresário japonês. 

Insurgi-me contra a sordidez do caso e, particularmente, contra a hipocrisia do Ministério Público brasileiro que instaurou à jovem um processo por prostituição, ignorando o comprador e quem intermediou o negócio. 

Disse, então, que estranhava o processo, pois achava que a prostituição não fosse crime no Brasil e frisei que algumas das coisas que este país mais exporta para Portugal são prostitutas. 

Tanto bastou para que, passados alguns dias, se formassem nas redes sociais matilhas de justiceiros, para me pôr na linha. Desde simples cidadãos cheios de certezas sobre mim, até algumas organizações cultoras do politicamente correto, todos me julgaram e condenaram sumariamente. 
Algumas dessas sentinelas esticaram-se em acusações pessoais tais como xenófobo, chauvinista, racista, insensato, mal-educado, preconceituoso, desrespeitador da mulher brasileira, misógino, etc.. Ao carnaval juntou--se também o embaixador do Brasil, que, 15 dias depois do programa, assustado com a ferocidade das matilhas, me invetivou também. 

Se eu tivesse dito que o Brasil exportava bombas atómicas para Portugal ninguém se importaria, pois, apesar de a afirmação ser muito mais grave, ninguém acreditaria nisso. Mas como eu denunciei um facto que todos sabem que é verdadeiro, então caíram o Carmo e a Trindade dos fariseus.
Não foi por acaso ou por lapso que eu falei em exportação. Não se trata da imigração de mulheres brasileiras que decidiram por sua conta e risco ser prostitutas em Portugal. Trata-se de mulheres que são exportadas por empresários brasileiros - que são importadas por empresários portugueses - como mercadorias, como objetos de prazer, como carne sexual para saciar os apetites de todos aqueles que fazem prosperar o sórdido negócio do sexo. 
São centenas ou milhares de mulheres, a maioria jovens na casa dos vinte anos, que são exploradas por empresários do ramo (proxenetas organizados empresarialmente e com poderosas influências nos dois países), algumas das quais trazidas com promessas de trabalho decente, mas que acabam por aceitar a prostituição porque tudo foi meticulosamente organizado para acabar dessa maneira. Tudo isso, com a passividade vergonhosa das autoridades dos dois países e com o silêncio de todos os fundamentalistas que agora se arranham de indignação.

Não há, em Portugal, vila ou cidade, desde as mais prósperas às mais atrasadas, de norte a sul, do litoral ao interior, onde não exista uma bolsa dessa gigantesca rede de exploração de prostitutas brasileiras. 
Na orla das estradas, em bordéis improvisados, em lupanares bem dissimulados no negócio da noite, nas centrais de acompanhantes de luxo, anunciando ou não o aluguer do seu corpo na Imprensa, lá está o negócio, bem visível, chamando a atenção, dando nas vistas. 
Os industriais do sexo são realmente muito poderosos em Portugal e no Brasil. Atente-se que não está em causa a prostituição como «profissão liberal» (não são criminosas as mulheres que decidem prostituir-se por sua conta), mas sim a sua exploração pela indústria do sexo.
Sublinhe-se que, há alguns anos, quando um grupo de jogadores da seleção nacional de futebol fez uma orgia com prostitutas brasileiras, espancando algumas delas, muitos negaram os factos dizendo que elas não tinham credibilidade por serem prostitutas. Na altura, insurgi-me (e a SIC também) contra essa postura e, numa carta ao então diretor da estação, defendi, contra ventos e marés, a dignidade e credibilidade das vítimas.

O que eu afirmei agora, na RTP, só é chocante porque é verdade. Bem mais chocante do que as minhas palavras é a realidade que elas exprimem e que muita gente quer esconder para continuar a fingir que a desconhece. Em vez de atuarem para mudar essa negra realidade, atacam quem a mostra. É a velha história de quem, apontando para um mal, vê os oportunistas e os idiotas úteis a olhar para o seu dedo, berrando em uníssono que tem a unha roída. Quando a mensagem não agrada, agride-se o mensageiro.

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
10/12/12

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