Importação de prostitutas
Há três semanas, comentei no programa "Justiça Cega", da RTP
Informação, o caso de uma jovem brasileira que vendera a sua virgindade a
um empresário japonês.
Insurgi-me contra a sordidez do caso e,
particularmente, contra a hipocrisia do Ministério Público brasileiro
que instaurou à jovem um processo por prostituição, ignorando o
comprador e quem intermediou o negócio.
Disse, então, que estranhava o
processo, pois achava que a prostituição não fosse crime no Brasil e
frisei que algumas das coisas que este país mais exporta para Portugal
são prostitutas.
Tanto bastou para que, passados alguns dias, se
formassem nas redes sociais matilhas de justiceiros, para me pôr na
linha. Desde simples cidadãos cheios de certezas sobre mim, até algumas
organizações cultoras do politicamente correto, todos me julgaram e
condenaram sumariamente.
Algumas dessas sentinelas esticaram-se em
acusações pessoais tais como xenófobo, chauvinista, racista, insensato,
mal-educado, preconceituoso, desrespeitador da mulher brasileira,
misógino, etc.. Ao carnaval juntou--se também o embaixador do Brasil,
que, 15 dias depois do programa, assustado com a ferocidade das
matilhas, me invetivou também.
Se eu tivesse dito que o Brasil
exportava bombas atómicas para Portugal ninguém se importaria, pois,
apesar de a afirmação ser muito mais grave, ninguém acreditaria nisso.
Mas como eu denunciei um facto que todos sabem que é verdadeiro, então
caíram o Carmo e a Trindade dos fariseus.
Não foi por acaso ou
por lapso que eu falei em exportação. Não se trata da imigração de
mulheres brasileiras que decidiram por sua conta e risco ser prostitutas
em Portugal. Trata-se de mulheres que são exportadas por empresários
brasileiros - que são importadas por empresários portugueses - como
mercadorias, como objetos de prazer, como carne sexual para saciar os
apetites de todos aqueles que fazem prosperar o sórdido negócio do sexo.
São centenas ou milhares de mulheres, a maioria jovens na casa dos
vinte anos, que são exploradas por empresários do ramo (proxenetas
organizados empresarialmente e com poderosas influências nos dois
países), algumas das quais trazidas com promessas de trabalho decente,
mas que acabam por aceitar a prostituição porque tudo foi
meticulosamente organizado para acabar dessa maneira. Tudo isso, com a
passividade vergonhosa das autoridades dos dois países e com o silêncio
de todos os fundamentalistas que agora se arranham de indignação.
Não
há, em Portugal, vila ou cidade, desde as mais prósperas às mais
atrasadas, de norte a sul, do litoral ao interior, onde não exista uma
bolsa dessa gigantesca rede de exploração de prostitutas brasileiras.
Na
orla das estradas, em bordéis improvisados, em lupanares bem
dissimulados no negócio da noite, nas centrais de acompanhantes de luxo,
anunciando ou não o aluguer do seu corpo na Imprensa, lá está o
negócio, bem visível, chamando a atenção, dando nas vistas.
Os
industriais do sexo são realmente muito poderosos em Portugal e no
Brasil. Atente-se que não está em causa a prostituição como «profissão
liberal» (não são criminosas as mulheres que decidem prostituir-se por
sua conta), mas sim a sua exploração pela indústria do sexo.
Sublinhe-se
que, há alguns anos, quando um grupo de jogadores da seleção nacional
de futebol fez uma orgia com prostitutas brasileiras, espancando algumas
delas, muitos negaram os factos dizendo que elas não tinham
credibilidade por serem prostitutas. Na altura, insurgi-me (e a SIC
também) contra essa postura e, numa carta ao então diretor da estação,
defendi, contra ventos e marés, a dignidade e credibilidade das vítimas.
O
que eu afirmei agora, na RTP, só é chocante porque é verdade. Bem mais
chocante do que as minhas palavras é a realidade que elas exprimem e que
muita gente quer esconder para continuar a fingir que a desconhece. Em
vez de atuarem para mudar essa negra realidade, atacam quem a mostra. É a
velha história de quem, apontando para um mal, vê os oportunistas e os
idiotas úteis a olhar para o seu dedo, berrando em uníssono que tem a
unha roída. Quando a mensagem não agrada, agride-se o mensageiro.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
10/12/12
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