.
IN "VISÃO"
4/11/12
.
Tiro de pólvora seca
.
Como é que um Governo fraco e desacreditado vai gerar consensos sobre a mais decisiva das reformas - a do Estado?
.
O ministro Gaspar
descobriu agora a pólvora, ou seja, a urgência de uma discussão sobre a
dimensão do Estado. Só que, mais uma vez, truncou a questão, adaptando-a
às suas conveniências. Afirmou ele que "existe aparentemente um enorme
desvio entre o que os portugueses acham que devem ter como funções do
Estado e os impostos que estão dispostos a pagar para assegurar essas
funções". Apesar do olhar arregalado de sempre e daquela entoação
monocórdica falsamente neutral, é indisfarçável um certo tom de censura
nesta frase. Ou seja, o problema está na ambição e exigência dos
portugueses e não na diferença entre a má qualidade do pouco - e cada
vez menos - que recebem face ao muito que pagam.
Ora essa diferença tem
vindo a alargar-se essencialmente devido aos desmandos e incompetências
de quem nos tem governado nas últimas duas a três décadas. Das políticas
de estímulo à reforma antecipada de milhares e milhares de funcionários
públicos, à criminosa negociação da esmagadora maioria das PPP; do
fechar os olhos à multiplicação de empresas, institutos, entidades e
fundações públicas, à crescente contratação externa de serviços,
pareceres e estudos, com o consequente desaproveitamento da massa
crítica e dos recursos da Administração; da manutenção de anacronismos e
desigualdades injustificadas entre o funcionalismo e os trabalhadores
do setor privado, à transferência de fundos de pensões para tapar
buracos do défice - eis alguns exemplos de como se têm desbaratado
recursos, promovido laxismos e acumulado erros. Tudo fruto de muita
incompetência, mas também para agradar a clientelas, garantir vitórias
eleitorais e assegurar futuros radiosos, em administrações de empresas
"amigas".
Aqui chegados, se há algum aspeto em que os portugueses merecem
censura é terem continuado a pagar sem grandes protestos. Só o fizeram
quando atingiram o limite para todo o sempre assinalado pelo momento em
que o ministro Gaspar lhes começou a confiscar salários e pensões. Ora, o
ministro Gaspar faz parte de uma maioria que se dizia preparadíssima
para governar, conhecedora dos dossiês, segura das políticas a propor.
Quando justamente se pensava que o momento propiciava reformas de fundo e
uma discussão aberta sobre o papel e a dimensão do Estado, sobre o que
podemos ter e como o financiar, o que aconteceu foi, zás!, uma sobretaxa
nos subsídios de Natal. A partir daí a catadupa de medidas
desarticuladas e mal pensadas condicionou todo e qualquer debate sério e
produtivo sobre o nosso modelo futuro. Pelos vistos, o ministro Gaspar
só chegou agora a esta evidência. Costuma dizer-se que mais vale tarde
do que nunca, mas em que condições chegam ele e o Governo de que faz
parte a este debate? Como é que uma equipa fraca, desacreditada e pouco
ou nada respeitada pelos portugueses vai gerar consensos sobre a reforma
mais decisiva de todas as reformas?
Como se tudo isto não bastasse, o tiro de partida para esta tarefa
hercúlea soou a pólvora seca. Não foi só a tal frase sibilina do titular
das Finanças sobre as alegadas intenções dos portugueses quanto às
funções do Estado, foi, sobretudo, o anúncio da "refundação" do programa
da troika para a qual o primeiro-ministro fez uma espécie de intimação
ao PS. A arrogância costuma sair muito mal a quem não sabe tratar
aliados imprescindíveis.
IN "VISÃO"
4/11/12
.
Sem comentários:
Enviar um comentário