06/11/2012

ÁUREA SAMPAIO

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Tiro de pólvora seca 

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Como é que um Governo fraco e desacreditado vai gerar consensos sobre a mais decisiva das reformas - a do Estado?

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 O ministro Gaspar descobriu agora a pólvora, ou seja, a urgência de uma discussão sobre a dimensão do Estado. Só que, mais uma vez, truncou a questão, adaptando-a às suas conveniências. Afirmou ele que "existe aparentemente um enorme desvio entre o que os portugueses acham que devem ter como funções do Estado e os impostos que estão dispostos a pagar para assegurar essas funções". Apesar do olhar arregalado de sempre e daquela entoação monocórdica falsamente neutral, é indisfarçável um certo tom de censura nesta frase. Ou seja, o problema está na ambição e exigência dos portugueses e não na diferença entre a má qualidade do pouco - e cada vez menos - que recebem face ao muito que pagam. 

Ora essa diferença tem vindo a alargar-se essencialmente devido aos desmandos e incompetências de quem nos tem governado nas últimas duas a três décadas. Das políticas de estímulo à reforma antecipada de milhares e milhares de funcionários públicos, à criminosa negociação da esmagadora maioria das PPP; do fechar os olhos à multiplicação de empresas, institutos, entidades e fundações públicas, à crescente contratação externa de serviços, pareceres e estudos, com o consequente desaproveitamento da massa crítica e dos recursos da Administração; da manutenção de anacronismos e desigualdades injustificadas entre o funcionalismo e os trabalhadores do setor privado, à transferência de fundos de pensões para tapar buracos do défice - eis alguns exemplos de como se têm desbaratado recursos, promovido laxismos e acumulado erros. Tudo fruto de muita incompetência, mas também para agradar a clientelas, garantir vitórias eleitorais e assegurar futuros radiosos, em administrações de empresas "amigas".

Aqui chegados, se há algum aspeto em que os portugueses merecem censura é terem continuado a pagar sem grandes protestos. Só o fizeram quando atingiram o limite para todo o sempre assinalado pelo momento em que o ministro Gaspar lhes começou a confiscar salários e pensões. Ora, o ministro Gaspar faz parte de uma maioria que se dizia preparadíssima para governar, conhecedora dos dossiês, segura das políticas a propor. Quando justamente se pensava que o momento propiciava reformas de fundo e uma discussão aberta sobre o papel e a dimensão do Estado, sobre o que podemos ter e como o financiar, o que aconteceu foi, zás!, uma sobretaxa nos subsídios de Natal. A partir daí a catadupa de medidas desarticuladas e mal pensadas condicionou todo e qualquer debate sério e produtivo sobre o nosso modelo futuro. Pelos vistos, o ministro Gaspar só chegou agora a esta evidência. Costuma dizer-se que mais vale tarde do que nunca, mas em que condições chegam ele e o Governo de que faz parte a este debate? Como é que uma equipa fraca, desacreditada e pouco ou nada respeitada pelos portugueses vai gerar consensos sobre a reforma mais decisiva de todas as reformas?

Como se tudo isto não bastasse, o tiro de partida para esta tarefa hercúlea soou a pólvora seca. Não foi só a tal frase sibilina do titular das Finanças sobre as alegadas intenções dos portugueses quanto às funções do Estado, foi, sobretudo, o anúncio da "refundação" do programa da troika para a qual o primeiro-ministro fez uma espécie de intimação ao PS. A arrogância costuma sair muito mal a quem não sabe tratar aliados imprescindíveis. 

IN "VISÃO"
4/11/12

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