Entendam o vernáculo
Vão-se foder.
Na adolescência usamos vernáculo porque é “fixe”. Depois deixamo-nos disso.
Aos
32 sinto-me novamente no direito de usar vernáculo, quando realmente me
apetece e neste momento apetece-me dizer: Vão-se foder!
Trabalho há 11 anos. Sempre por conta de outrém. Comecei numa micro empresa portuguesa e mudei-me para um gigante multinacional.
Acreditei,
desde sempre, que fruto do meu trabalho, esforço, dedicação e também,
quando necessário, resistência à frustração alcançaria os meus
objectivos. E, pasme-se, foi verdade. Aos 32 anos trabalho na minha área
de formação, feliz com o que faço e com um ordenado superior à média do
que será o das pessoas da minha idade.
Por
isso explico já, o que vou escrever tem pouco (mas tem alguma coisa) a
ver comigo. Vivo bem, não sou rica. Os meus subsídios de férias e Natal
servem exactamente para isso: para ir de férias e para comprar prendas
de Natal. Janto fora, passo fins-de-semana com amigos, dou-me a pequenos
luxos aqui e ali. Mas faço as minhas contas, controlo o meu orçamento,
não faço tudo o que quero e sempre fui educada a poupar.
Vivo, com a satisfação de poder aproveitar o lado bom da vida fruto do meu trabalho e de um ordenado que batalhei para ter.
Sou
uma pessoa de muitas convicções, às vezes até caio nalgumas antagónicas
que nem eu sei resolver muito bem. Convivo com simpatia por IDEIAS que
vão da esquerda à direita. Posso “bater palmas” ao do CDS, como posso
estar no dia seguinte a fazer uma vénia a comunistas num tema diferente,
mas como sou pouco dado a extremismos sempre fui votando ao centro. Mas
de IDEIAS senhores, estamos todos fartos. O que nós queríamos mesmo era
ACÇÕES, e sobre as acções que tenho visto só tenho uma coisa a dizer:
vão-se foder. Todos. De uma ponta à outra.
Desde
que este pequeno, mas maravilho país se descobriu de corda na garganta
com dívidas para a vida nunca me insurgi. Ouvi, informei-me aqui e ali.
Percebi. Nunca fui a uma manifestação. Levaram-me metade do subsídio de
Natal e eu não me queixei. Perante amigos e família mais indignados fiz o
papel de corno conformado: “tem que ser”, “todos temos que ajudar”,
“vamos levar este país para a frente”. Cheguei a considerar que certas
greves eram uma verdadeira afronta a um país que precisava era de suor e
esforço. Sim, eu era assim antes de 6ª feira.
Agora, hoje, só tenho uma
coisa para vos dizer: Vão-se foder.
Matam-nos a esperança.
Onde
é que estão os cortes na despesa? Porque é que o 1º Ministro nunca
perdeu 30 minutos da sua vida, antes de um jogo de futebol, para nos vir
explicar como é que anda a cortar nas gorduras do estado? O que é que
vai fazer sobre funcionários de certas empresas que recebem subsídios
diários por aparecerem no trabalho (vulgo subsídios de assiduidade)?… É
permitido rir neste parte. Em quanto é que andou a cortar nos subsídios
para fundações de carácter mais do que duvidoso, especialmente com a
crise que atravessa o país? Quando é que páram de mamar grandes empresas
à conta de PPP’s que até ao mais distraído do cidadão não passam
despercebidas? Quando é que acaba com regalias insultosas para uma
cambada de deputados, eleitos pelo povo crédulo, que vão sentar os seus
reais rabos (quando lá aparecem) para vomitar demagogias em que já
ninguém acredita?
Perdoem-me
as chantagem emocional senhores ministros, assessores, secretários e
demais personagem eleitos ou boys desta vida, mas os pneus dos
vossos BMW’s davam para alimentar as crianças do nosso país (que ainda
não é em África) que chegam hoje em dia à escola sem um pedaço de pão de
bucho. Por isso, se o tempo é de crise, comecem a andar de opel corsa,
porque eu que trabalho hé 11 anos e acho que crédito é coisa de ricos,
ainda não passei dessa fasquia.
E para terminar, um “par” de considerações sobre o vosso anúncio de 6ª feira.
Estou na dúvida se o fizeram por real lata ou por um desconhecimento profundo do país que governam.
Aumenta-me
em mais de 60% a minha contribuição para a segurança social, não é? No
meu caso isso equivale a subsídio e meio e não “a um subsído”. Esse
dinheiro vai para onde que ninguém me explicou? Para a puta de uma
reforma que eu nunca vou receber? Ou para pagar o salário dos
administradores da CGD?
Baixam a TSU das empresas. Clap, clap, clap… Uma vénia!
Vocês,
que sentam o já acima mencionado real rabo nesses gabinetes, sabem o
que se passa no neste país? Mas acham que as empresas estão a crescer e
desesperadas por dinheiro para criar postos de trabalho? A sério? Vão-se
foder.
As pequenas empresas vão poder respirar com essa medida. E não despedir mais um ou dois.
As
grandes, as dos milhões? Essas vão agarrar no relatório e contas pôr lá
um proveito inesperado e distribuir mais dividendos aos accionistas. Ou
no vosso mundo as empresas privadas são a Santa Casa da Misericórdia e
vão já já a correr criar postos de trabalho só porque o Estado considera
a actual taxa de desemprego um flagelo? Que o é.
A sério… Em que país vivem? Vão-se foder.
Mas querem o benefício da dúvida? Eu dou-vos:
1º Provem-me que os meus 7% vão para a minha reforma. Se quiserem até o guardo eu no meu PPR.
2º
Criem quotas para novos postos de trabalho que as empresas vão criar
com esta medida. E olhem, até vos dou esta ideia de graça: as empresas
que não cumprirem tem que devolver os mais de 5% que vai poupar. Vai ser
uma belo negócio para o Estado… Digo-vos eu que estou no mundo real de
onde vocês parecem, infelizmente, tão longe.
Termino
dizendo que me sinto pela primeira vez profundamente triste. Por isso
vos digo que até a mim, resistente, realista, lutadora, compreensiva…
Até a mim me mataram a esperança.
Talvez
me vá embora. Talvez pondere com imensa pena e uma enorme dor no
coração deixar para trás o país onde tanto gosto de viver, o trabalho
que tanto gosto de fazer, a família que amo, os amigos que me
acompanham, onde pensava brevemente ter filhos, mas olhem… Contas
feitas, aqui neste t2 onde vivemos, levaram-nos o dinheiro de um
infantário.
Talvez vá. E levo comigo os meus impostos e uma pena imensa por quem tem que cá ficar.
Ângela Crespo
NR: Não sabemos quem é a signatária ou mesmo se existirá, gostámos do texto, é tudo.
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