05/05/2012

TOMÁS VASQUES


  


 Baralhar e dar de novo 



A condescendência com a senhora Merkel e com a direita europeia que a bajula, leva-a a exigir mais austeridade, mais empobrecimento, mais desemprego A semana passada foi próspera na introdução de novos factos num complexo emaranhado político em que o “velho continente” se arrasta. Temos uma irresistível tendência para ver cada um desses factos isoladamente, mas independentemente do nosso olhar, eles estão ligados uns aos outros, como elos da mesma corrente. 

 O facto de Mário Soares se ter recusado a estar presente nas comemorações do 25 de Abril, na Assembleia da República, numa atitude inédita, tem mais a ver com as declarações de Joseph Stiglitz, economista e vencedor do prémio Nobel, quando disse, esta semana, a propósito dos planos de austeridade em que a Europa se afunda “penso que a Europa caminha para o suicídio”, do que com a solidariedade para com a Associação 25 de Abril. Do mesmo modo, o disparatado discurso de Cavaco Silva, em São Bento, a vender a “marca Portugal”, como se fosse um director de marketing do ICEP, quando há pouco mais de um ano atrás apelava para um sobressalto cívico dos portugueses contra o governo de então, tem mais a ver com a cegueira política que o norteia do que com as declarações do secretário de Estado das Finanças do governo de Merkel, Thomas Steffen, quando disse que a Alemanha não era um “talibã da austeridade. Acreditamos muito que a zona euro também necessita de mais crescimento”. 

 Também, o facto de Mário Draghi, presidente do BCE, ter dito que depois do “compacto orçamental o que está agora mais presente na minha cabeça é um compacto para o crescimento” tem mais a ver com a crise política aberta na Holanda do que com a miséria em que as políticas de austeridade têm lançado milhões de europeus. De igual modo, o facto da chanceler alemã Ângela Merkel ter dito, num discurso em Berlim, “a austeridade por si só não resolverá a crise. O crescimento foi desde sempre o segundo pilar das nossas políticas” tem mais a ver com a provável vitória de Hollande nas presidenciais francesas, o que a impedirá de ter a França presa por uma trela, do que com a sua agenda ideológica ao serviço dos credores alemães. Finalmente, o facto do secretário-geral do Partido Socialista António José Seguro ameaçar com uma “ruptura democrática” com o governo PSD-CDS, tem mais a ver com todos estes factos do que com a “cultura de responsabilidade” que defendeu até aqui. 

Se associarmos todos os factos mencionados, encontramos um fio condutor que une todas as pontas: a condescendência com a senhora Merkel e com a direita europeia que a bajula, leva-a a exigir mais austeridade, mais empobrecimento, mais desemprego, independentemente das consequências para as populações e para as economias de cada um dos países visados; a perspectiva de oposição às suas posições, como pode acontecer em França, leva-a a retroceder, ao ponto de estar a preparar um documento para a próxima Cimeira Europeia, em Junho, sobre a “Agenda para o crescimento e a potenciar a intervenção do Banco Europeu de Investimento”.

 A senhora Merkel, e a direita alemã, quer dirigir a Europa a seu belo prazer, mas sabe que a Alemanha tem muito a perder se a Europa se desfizer. Por isso, qualquer condescendência com a visão alemã da Europa é um prego no caixão da União Europeia. Nestes dias, não é demais repetir o conselho de Thomas Mann a estudantes em Hamburgo, no início dos anos 50 do século passado: “Devem lutar não por uma Europa alemã, mas por uma Alemanha europeia.” O nosso primeiro-ministro ainda não entendeu a diferença entre uma Europa alemã e uma Alemanha europeia e insiste, para desgraça dos portugueses, no mérito de ser bom aluno das receitas da Europa alemã. Como ainda não entendeu que os portugueses, sobretudo os mais atingidos pelas políticas do governo, são mais importantes do que os mercados. Mas ninguém estranhe se, daqui a algum tempo, perante as evidência e a falta de vergonha, Passos Coelho aparecer a dizer, com ar cândido, qualquer coisa do género: “Sempre defendi políticas de crescimento, a austeridade foi um mal necessário que nos foi imposto.” 


 JURISTA

 IN "i" 
30/04/12 

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