21/05/2012

RUI MOREIRA

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 Duas notas

 1. As declarações feitas esta semana por Passos Coelho acerca dos desempregados causaram grande consternação. Para o que contribuiu, é claro, a forma como a Comunicação Social descontextualizou as suas afirmações, mas o que não espanta particularmente dado que muitos jornalistas têm esse hábito perverso. O que surpreende é que o primeiro-ministro não esteja prevenido para essa circunstância. Em Portugal, os governantes falam de mais, não resistem à vertigem do microfone e não se defendem contra os mal-entendidos. Enfim, não ganham juízo.

Ainda assim, e considerando o contexto correto em que as suas declarações foram proferidas, Passos Coelho cometeu um erro político. Pior do que isso, a sua pose tranquila e o seu sorriso imperturbável que aprecio, podem ser confundidos com insensibilidade, não revelando exatamente o que ele sente.

 É razoável que se tente desdramatizar o facto de uma pessoa estar desempregada, e deve-se explicar que essa circunstância não deve ser tomada como uma fatalidade. Contudo, não se pode ignorar que é uma situação que cria aflição, que destrói a autoestima, que corrompe a estabilidade da família, e que faz com que a pessoa em causa, que na esmagadora maioria dos casos nada fez para cair nesse alçapão, se sinta excluída e preterida, como se de um pária se tratasse.

 A situação é semelhante à de um doente grave e, por isso, deve ser tratada de forma igual. Se temos um amigo que sabemos muito doente, devemos fazer o possível para lhe criar algum ânimo, para que ele acredite que pode sobreviver. O que não devemos fazer, contudo, é desvalorizar essa doença, como se de uma mera constipação se tratasse.

Esta semana, jantei com um amigo que se encontra nessa situação. Com 60 anos de idade, e mais de 40 de descontos, não foi reconduzido no cargo de administrador. Sem acesso ao subsídio de desemprego, porque não fazia parte do quadro da empresa, apesar de ter feito descontos como qualquer funcionário, viu-se numa situação de aflição. Hesitou, então, em pedir a reforma antecipada, porque a antecipação custar-lhe-ia quase 50 por cento na pensão, e admitiu que poderia encontrar um último emprego. Subitamente, as regras foram alteradas, e deixou de ter essa possibilidade.

 Para esse meu amigo, as reformas em curso não chegarão a tempo. A luz ao fundo do túnel de muito pouco lhe serve. Se a aflição se adensar, não estará sequer em situação de se candidatar ao rendimento mínimo porque, ao longo de muitos anos, aplicou as suas poupanças para pagar a casa que agora é sua, e cujos custos lhe parecem intoleráveis. Curiosamente, não se queixa da situação, entende que é tempo de sacrifícios, e reconhece que a nossa geração foi, por atos ou omissões, responsável pela situação que lhe criaram. Não consegue entender, ainda assim, que lhe digam que isto é uma oportunidade.

2. A maioria dos deputados do PSD Madeira, incluindo o seu líder parlamentar, o senhor Jaime Ramos, abandonaram o Parlamento regional por ocasião do voto de pesar apresentado pelo CDS/M. Os outros "laranjinhas" ficaram sentados e impávidos, assumindo o papel de lacaios de um regime gerontocrático e falido, que apoiou o apartheid na África do Sul e que só resiste porque nós, "cubanos", somos colonizados por eles, e pagamos-lhes as contas e os vícios, eternizando um poder que subsiste graças a um défice democrático que a República nunca foi capaz de resolver. Nada me move contra os madeirenses, que são as grandes vítimas desses senhores e dos continentais que lavam as mãos, e não entendem, por exemplo, que a Zona Franca da Madeira não deve ser demonizada e que a Região deve ser olhada por nós da mesma forma que os gregos devem ser vistos pelos seus parceiros europeus.

O que o senhor Ramos e os imberbes deputados não sabem é que a sua alarvidade seria a maior das homenagens que poderiam ter prestado à memória de Miguel Portas, se não se desse o caso de este episódio ser vergonhoso, por ter ocorrido num parlamento.


 IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
 20/05/12


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