Rosa Ramalho (1888-1977) é o nome artístico de Rosa Barbosa Lopes, ceramista e figura emblemática da olaria tradicional portuguesa.
BIOGRAFIA
Rosa Ramalho nasceu a 14 de Agosto de 1888, na freguesia de São Martinho de Galegos (concelho de Barcelos). Filha de um sapateiro e de uma tecedeira, casou-se aos 18 anos com um moleiro e teve sete filhos. Aprendeu a trabalhar o barro desde muito nova, mas interrompeu a actividade durante cerca de 50 anos para cuidar da família. Só após a morte do marido, e já com 68 anos de idade, retomou o trabalho com o barro e começou a criar as figuras que a tornaram famosa. As suas peças simultaneamente dramáticas e fantasistas, denotadoras de uma imaginação prodigiosa, distinguiam-na de outros barristas e oleiros e proporcionaram-lhe uma fama que ultrapassou fronteiras.
A ARTE
Foi a António Quadros (pintor) que se deveu a descoberta de Rosa Ramalho pela crítica artística e a sua divulgação nos meios "cultos". Foi a primeira barrista a ser conhecida individualmente pelo próprio nome e teve o reconhecimento, entre outros, da Presidência da República, que em 9 de Abril de 1981 lhe atribuiu o grau de Dama da Ordem de Sant'Iago da Espada[1]. Em 1968 tinha-lhe sido também entregue a medalha "As Artes ao Serviço da Nação".
1.CAVALEIRO |
Sobre a artista há um livro de Mário Cláudio (Rosa, de 1988, integrado na Trilogia da mão) e uma curta-metragem documental de Nuno Paulo Bouça (À volta de Rosa Ramalho, de 1996). Actualmente dá nome a uma rua da cidade de Barcelos e a uma escola EB 2,3 da freguesia de Barcelinhos. Há também a possibilidade de que se venha a transformar a sua antiga oficina, em São Martinho de Galegos, num museu de olaria com o seu nome.
WIKIPÉDIA
Alexandre Alves Costa arquitecto e coleccionador e comissário de uma exposição sobre a artista, descobriu-a na segunda metade da década de 1950, quando, com os seus colegas da escola de Belas-Artes do Porto, e seguindo a intuição do pintor e professor António Quadros (1933-1994), se deslocou a S. Martinho de Galegos, uma freguesia de Barcelos, em busca da verdade da arte popular.
2.MULHER SEREIA |
Foi assim que Alexandre Alves Costa, arquitecto mas também coleccionador e, principalmente, um amador do figurado de Barcelos, conheceu Rosa Ramalho (1888-1977), então uma anónima barrista como tantas outras que faziam a fama de uma terra que exibia as cores e as formas do seu imaginário nas bancas da feira semanal, todas as quintas-feiras.
"A Sra. Rosa era uma personagem muito interessante. Era uma mulher do campo, igual a todas as outras, com uns olhos que não enganavam ninguém, e que eram absolutamente excepcionais de finura, de inteligência, de esperteza", diz Alves Costa, recordando que foi António Quadros quem retirou a arte e o nome daquela artesã do anonimato, depois de a ter visto, um dia, a fazer um boneco em barro com uma agilidade desconcertante, na feira das Fontainhas, no Porto. "Ele achou-o muito bonito - era um passarinho.
3.PORCO |
Perguntou-lhe se ela fazia mais. Ela respondeu que tinha feito há muitos anos, mas que tinha deixado de fazer. Mas estava sempre a trabalhar o barro, porque lhe fazia bem à pele." O pintor desafiou-a, então, a fazer uma fornada, que ele compraria. Foi o início de uma relação que duraria anos, e foi também o começo da segunda fase da vida de Rosa Ramalho como barrista, depois de se ter dedicado ao trabalho de moleiro até à morte do marido.
Da tradição ao surrealismo
Alexandre Alves Costa diz que os bonecos de Rosa Ramalho são, primeiro do que tudo, a expressão da tradição do figurado de Barcelos, "que é a mais rica do nosso país, do ponto de vista da criatividade, da variedade e da abrangência dos temas que recria", como o demonstravam já os estudos do etnólogo António Rocha Peixoto (1866-1909), há um século atrás. Mas, "sendo uma mulher muito ligada às raízes, a Sra. Rosa é muito mais do que simples seguidora da tradição.
4.CABEÇUDO |
Para além de uma invulgar capacidade de manusear o barro, ela tem uma grande imaginação, aumenta a dimensão das peças e inventa e mistura coisas - as mulheres com corpo de animais, os porcos com cornos ou com cabeça de lobo -, e passa claramente para o campo da artisticidade pura". O arquitecto vê mesmo Rosa Ramalho como "uma artista surrealista", no modo como deixa voar a sua imaginação fértil e desbragada.
A propósito desta associação da arte da barrista minhota com a linguagem surrealista, há um episódio que faz já parte do romance da sua biografia: o facto de, a determinada altura da sua produção, Rosa Ramalho ter feito uma cabra idêntica à criada por Picasso levou alguns a defender que o pintor malaguenho poderia ter-se inspirado nela. Alves Costa diz que essa "é uma história falsa". O que aconteceu, assegura o arquitecto, é que alguém encomendou à artesã uma cabra pedindo-lhe que seguisse uma fotografia da de Picasso. De resto, a cabra faz parte do bestiário tradicional do figurado de Barcelos - como o porco, o boi ou o burro, afinal os animais da economia quotidiana da região, que são a matriz da arte popular aí como em qualquer outra parte do mundo, explica Alves Costa.
A assinatura
"Barcelos tem uma produção de figurado muito em série", que inicialmente se materializava nos assobios e nos paliteiros, nas suas formas mais diversas, que se vendiam na feira local - e que ainda hoje é uma das principais fontes da economia da terra.
5.CABRA ACULTURADA |
Mas de entre essa produção anónima emergiram sempre barristas cujas peças ultrapassavam os cânones tradicionais e se afirmavam como verdadeiros artistas. O arquitecto-coleccionador cita vários nomes: Teresa Carumas, Rosa Cota, Manuel Coto, Teresa Mouca ou o Sr. João "dos lagartos"... Mas foi Rosa Ramalho quem acabou por se tornar a figura e o nome mais conhecido - até pelo facto de ter começado a assinar as suas peças, por sugestão de António Quadros. "Foi uma tolice, que perverteu a originalidade, o anonimato, que era a marca do figurado da terra", lamenta Alves Costa, que chama a atenção para a importância e a riqueza de muitas outras barristas que ficaram na sombra da celebridade de Rosa Ramalho. Mas que, afinal, acabaram também por aproveitar dessa notoriedade, já que, hoje em dia, o artesanato também não dispensa assinatura, seja ela a do verdadeiro artífice ou a da Oficina, como a partir de certa altura aconteceu com a própria Rosa Ramalho, que ou só assinava as peças que eram produzidas pelos seus familiares, ou então punha mesmo esses seus "discípulos" (como a sua neta Júlia Ramalho, um nome que depois ganhou também direito a assinatura) a gravar o duplo "R" que actualmente garante a mais-valia do artesanato de Barcelos.
1.CAVALEIRO
"O cavaleiro é uma permanência na arte popular de todo o mundo. É uma figura que tem sempre uma certa solenidade, e existe muito em Barcelos. A Sra. Rosa fazia cavaleiros para os presépios (os reis magos), e fazia rainhas, princesas, soldados... Mas também existem cavaleiros do povo: este tem o particular interesse de ter associado o lagarto, que, como a cobra, está ligado à ideia de virilidade e de fertilidade - é uma simbologia que vem da Pré-História."
2.MULHER SEREIA
"É também uma peça muito característica, que mistura cabeça humana com corpo de animal. Esta, que deve ser dos anos 60, é particularmente bonita. Há sempre muitas variações, que transformam esta figura numa coisa cada vez mais surrealista. Esta vai a tocar um instrumento, mas nas costas! Outras figuras aparecem viradas ao contrário, relativamente ao corpo do animal. É uma peça que a Sra. Rosa fazia muito."
3.PORCO
"Há sempre um animal real na base, mas, depois, há um processo de transformação. Aqui há claramente uma mistura do porco com um lobo, com dentes - a ideia de ferocidade. Às vezes, surge com os cornos do boi ou com a cabeça do carneiro. É uma sobreposição muito característica no figurado de Barcelos e a Sra. Rosa explora bem isto."
4.CABEÇUDO
"É uma representação dos cabeçudos das festas das aldeias, do hábito de as pessoas vestirem máscaras, para assustarem e para brincarem. A máscara existe, também, em todas as culturas do mundo. O cabeçudo é a representação dessa transfiguração. No Minho, continua a ter hoje uma utilização muito frequente. Basta ir à Senhora da Agonia, em Viana."
5.CABRA ACULTURADA
"Chamei-lhe 'aculturada', porque é uma mistura da tradição das cabras de Barcelos, que são já referidas pelo Rocha Peixoto no século XIX, e que todas as mulheres fazem, que acabam com um feitio afunilado, quase com corpo de ave. Esta foi claramente feita com base numa fotografia da cabra de Picasso, que alguém forneceu à Sra. Rosa, pedindo-lhe para a copiar. Depois, ela continuou a fazê-la, mas passou também a misturá-la com a cabra da tradição local, regressando às raízes."
in Público, 14.08.2008
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