É fundamental
um acordo com o PS
Quando Vítor Gaspar, no final da entrevista dada a semana passada à RTP1, olhou directamente para o ecrã da televisão e apelou à mobilização de todos no esforço de ultrapassar esta crise, foi bonito.
Mas a política não se faz directamente entre o ministro das Finanças e nós que estamos em casa. Ele deveria antes ter-se preocupado em dirigir esse seu charme à UGT, impedindo-a de aceitar convocar uma greve geral com a CGTP, assim erguendo uma frente comum de sindicalizados contra o Governo. Essa batalha, o Governo já perdeu. Mas há outra que é ainda mais importante: trata-se de conseguir a aprovação do PS ao Orçamento do Estado. O acordo alargado com o PS é indispensável para preparar o empobrecimento real que vamos sofrer nos próximos longos anos.
Da mesma forma que é necessário que se façam maiorias de dois terços para que haja revisões na Constituição portuguesa, este orçamento, que vem impor a maior austeridade de sempre em democracia, e a deterioração objectiva e grave das condições de vida na sociedade portuguesa, não pode ser feito apenas com o apoio da maioria de Governo PSD-CDS. Este é o momento em que a lógica maioritária não chega. Ela deve ser posta de lado porque será contraproducente do ponto de vista dos resultados económicos. Portanto, até do ponto de vista dos credores internacionais ela não serve.
Mesmo em 1983, o empréstimo ao FMI foi feito com um Bloco Central entre PS e PSD. Sendo a austeridade enfrentada menor do que hoje, como é que este Governo prepara um orçamento sem ter em atenção assegurar o apoio do PS, ou das associações mais importantes? Se queremos evitar uma espiral de descontrolo económico e social, o consenso obtido em Maio no acordo da troika tem de ser mantido. Mesmo que à custa de alguma saúde económica de curto prazo.
É que o problema das medidas não é a sua negociação e aprovação com a troika, ou mesmo a sua aprovação no Parlamento. O problema será a realidade da implementação. A austeridade que se irá impor vai gerar fortíssima contestação. Os sucessivos programas de austeridade impostos pelo governo maioritário grego também não geram consenso político com o maior partido da oposição. Só este ano, os gregos já vão na 5.ª greve geral e as derrapagens orçamentais sucedem-se. Portugal deve evitar isto a todo o custo.
Para tal, seria necessário que o PS estabelecesse os seus objectivos para poder conceder a aprovação do partido na votação do orçamento no Parlamento, coisa que nem Seguro nem Zorrinho fizeram ainda (além disso, Seguro anunciou mesmo antes de conhecer a proposta que as probabilidades de não-apoio eram ínfimas. Mais: desde que a proposta foi apresentada aos portugueses, não se pronunciou sobre ela).
Como se viu pelo episódio recente da TSU, nada está escrito na pedra. O contexto internacional deteriorado é uma realidade que põe em causa os objectivos traçados em Maio. De Pacheco Pereira a Bagão Félix, passando por Belmiro de Azevedo e Cavaco Silva, já se percebeu que mesmo à direita a proposta orçamental não gera consenso porque é injusta. Seja porque alguns grupos não foram chamados a contribuir, seja porque os funcionários públicos estão a ser castigados com perdas de poder de compra que terão um efeito devastador no resto da economia arrastando o País para uma recessão profunda. Por isso, PS-PSD e CDS-PP deveriam trabalhar para negociar uma redistribuição mais justa, bem como a inclusão de grupos até agora deixados de fora.
Sejamos claros. Neste momento, não é o PS que precisa do Governo. É o Governo que precisa do PS. Entre o derrotismo a que somos propensos e a mobilização a que Vítor Gaspar apelava na sua entrevista à RTP, entre uma espiral de deterioração e uma unidade e coesão nacional, a diferença está no consenso político que for possível gerar em torno deste esforço desmedido que está a ser pedido aos portugueses. Ao longo dos últimos tempos, foi sempre um trunfo deste Governo invocar que 80% dos votantes portugueses tinham escolhido partidos que apoiavam o programa da troika. Esse trunfo poderá estar prestes a ser deitado ao lixo nesta proposta orçamental. Veremos se Passos, Gaspar, Seguro e Zorrinho estão à altura da situação.
Politóloga
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
20/10/11
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