Contratos 360º
Numa altura em que se partilham gratuitamente ficheiros, as canções estão disponíveis à distância de um ‘download’ e a tecnologia caseira está cada vez mais avançada, há muito que se diz: “A indústria discográfica morreu, viva a indústria musical!”.
O disco já não é o protagonista, nem o objectivo das editoras é investir na construção de um catálogo. As atenções viraram-se para as canções e para o artista enquanto marca.
Neste contexto, a sincronização, o mercado publicitário, cinematográfico ou de televisão, adquiriram um estatuto de superior importância nos rendimentos auferidos por autores e músicos. Esta fatia de ‘publishing' - assim se designa tal vertente - é hoje das mais exploradas pelas editoras que utilizam todos os meios difusores ao seu alcance, digitais incluídos, para promover o catálogo que lhes pertence.
A canção impõe-se por si só, soltando-se de qualquer formato físico, e o velho conceito de "12 canções por álbum" é algo que remete para a geração vinil e CD. Agora, fora discos conceptuais, há um número crescente de artistas que opta por fazer chegar aos meios de divulgação privilegiados (rádios, internet, ‘publishers', etc), não um conjunto de canções das quais duas seriam potenciais ‘singles', mas apenas estas últimas. Apura-se a escrita de canções para fins determinados e abandonam-se as que apenas serviam para fazer cumprir cláusulas contratuais onde se sublinhava uma certa duração para cada trabalho.
O futuro não é brilhante para as tradicionais editoras que resistem fabricando, distribuindo e licenciando as gravações e que encalharam na era digital com um risco maior no retorno do investimento. Para lhe fazer frente, surgiu um novo tipo de contrato: 360º. Como o nome indica, abrange todas as actividades que até agora as editoras não cobriam tornando-as nos novos ‘managers', ‘merchandisers' e mesmo agentes de digressão, que adiantam um valor ao artista em troca de uma percentagem dos lucros obtidos com todas estas novas vertentes a si chamadas.
Esta resposta à crise tem resultado na proliferação de editoras mais pequenas e independentes que oferecem o ciclo completo, ainda que com catálogos mais pequenos que as chamadas ‘majors'. De resto, estas últimas continuam a apoiar-se no trabalho desenvolvido pelas independentes no sentido de descobrirem no mercado novos talentos. Em última análise, uma independente pode alienar alguns dos seus artistas, uma vez que as ‘majors' desistiram de investir tempo, dinheiro e pessoal com A&Rs, artistas e repertórios, encarregues precisamente destas funções. Assiste-se ainda a um movimento de fusões e aquisições entre as tradicionais editoras e empresas de representação de artistas ou de gestão de eventos e espectáculos.
Os contratos 360º são apenas uma das alternativas encontradas aos desafios económicos resultantes da rápida evolução do mercado musical. Ao abrangerem o que antes se espalhava por inúmeros representantes, estas editoras tornam-se no epicentro da actual produção musical a nível global. Não tardarão os grandes estúdios de Hollywood a ter que negociar com uma pequena editora europeia determinado artista, só porque ambos têm entre si um contrato deste tipo. A centralização das múltiplas actividades inerentes à carreira de autores, músicos e artistas é benéfica no actual contexto em que a internet tanto oferece quantidade como pode, simultaneamente, ser um obstáculo "enevoado" à penetração dos mesmos em mercados mais profissionalizados e competitivos.
Advogada da Abreu e Associados
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
17/11/11
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