30/09/2011




HOJE NO
"i"

Portugal vai começar 
a testar alertas de frio
No Inverno morre-se mais. Em Portugal há cerca de 
10 mil óbitos mais que no Verão

Não é preciso esperar pelas alterações climáticas: o clima actual já tem impacto na saúde. Em Portugal, pelo menos desde que a onda de calor de 2003 causou a morte a duas mil pessoas em 15 dias, o problema está longe de ter um efeito menor. Mas os especialistas ouvidos pelo i são unânimes: apesar de o país só ter um plano de contingência para o calor, o Inverno é o período mais problemático. Nos últimos anos houve mais dez mil pessoas mortas no Inverno que no Verão.
Para atacar o problema e reforçar uma cultura de prevenção que poderá reduzir grande parte da mortalidade e morbilidade associadas ao frio, por complicações de doenças respiratórias ou cardiovasculares, a Direcção-Geral de Saúde (DGS) vai começar este ano a testar um sistema de alerta para os meses de Inverno. Numa fase inicial, explicou ao i Paulo Diegues, chefe da Divisão de Saúde Ambiental da DGS, o objectivo é estabelecer uma escala-piloto que permita aplicar ao frio os níveis de alerta amarelo, laranja ou vermelho que existem desde 2004 para o calor.
Ainda sem ter por base dados epidemiológicos, como existe para o calor com o projecto Ícaro – que estabeleceu limiares a partir dos quais os óbitos tendem a aumentar –, o responsável revela que os técnicos da DGS vão trabalhar em conjunto com as administrações regionais de saúde, tendo por base históricos de temperaturas. A ideia é perceber que nível de frio pode ser prejudicial e que recomendações deverão ser feitas à população. Como não existe nada do género na Europa, a equipa portuguesa vai começar a trabalhar do zero, como fez para o calor há sete anos.
No últimos meses, adianta Diegues, a DGS deixou de apostar exclusivamente no conceito de “ondas de calor” para estudar o impacto dos chamados fenómenos extremos, que a ciência actual acredita irão agravar-se com as alterações climáticas.
Este é um dos temas que hoje vai ser debatido por especialistas portugueses e alemães no primeiro workshop sobre clima e saúde do núcleo CliMa do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. Henrique Andrade, investigador do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da UL e um dos oradores, explica ao i que, neste momento, os modelos permitem apenas ter alguma ideia sobre o futuro: as ondas de calor tenderão a agravar-se, mas sobre o frio ainda não há uma resposta certa. Os investigadores vão apresentar dados sobre ondas de calor e frio em Portugal, mas também um estudo inédito sobre a relação entre as trovoadas e a asma (ver texto ao lado).

O dilema do frio Paulo Nogueira, chefe de Divisão de Estatísticas da DGS, diz que para o calor os números são relativamente claros, até porque Portugal foi o primeiro país europeu a iniciar este tipo de estudo, no final dos anos 90. “É muito comum atingir cerca de mil óbitos num ano moderadamente quente, em que as pessoas não têm a percepção de que houve ondas de calor. Não são todas mortes evitáveis, mas grande parte é evitável se as pessoas seguirem as recomendações e com prevenção.” Já compreender o impacto do frio tem sido complicado, até porque geralmente há outros factores paralelos: “Não há dúvida nenhuma de que é mais problemático. Agora o que é que é provocado pelo frio e o que resulta de outras coisas? Quando há gripe, regra geral também há frio. O desafio da investigação passa por conseguir destrinçar as duas coisas.”
Em Portugal, a gripe comum mata todos os anos entre mil e 2 mil pessoas, sobretudo idosos. Outra análise, indicativa, pode ser feita a partir dos dados de óbitos por mês do Instituto Nacional de Estatística. Dados de 2005 a 2010 (preliminares), a que o i teve acesso, mostram que os meses de Dezembro e Janeiro têm sistematicamente o maior número de óbitos. Nos quatros meses de Inverno do ano passado morreram mais 7600 pessoas do que no Verão e nos anos anteriores a diferença rondou as 10 mil.
Para Henrique Andrade, Portugal é mesmo o país da Europa mais vulnerável ao frio. “Somos talvez o país com mais problemas de saúde relacionados com frio, apesar de sermos um país com temperaturas amenas.” A explicação parece estar na falta de preparação: “No Norte da Europa, as pessoas estão muito preparadas para o frio, mesmo que seja muito frio. Aqui, como não há a mínima preparação, nomeadamente em condições de habitação e aquecimento, mesmo temperaturas de dez graus podem ter impactos muito sérios na saúde.”

* O frio mata que se farta


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