19/07/2011

FERNANDO SANTOS


Futre no Ministério da Educação?


Diagnosticar é uma das qualidades do ser português. Não há área em que Portugal careça de estudos através dos quais estão detectados estrangulamentos ou vias a adoptar para o aperfeiçoamento e/ou melhoria das condições de vida. O que poderia ser uma vantagem dilui--se no entanto num quadro inexorável: o da inércia ou do faz--de-conta, em muito resultante da falta de coragem para enfrentar as corporações.
Por entre várias nuances de análise, o que se tem passado no sector do Ensino é um dos mais flagrantes exemplos de como há anos estão identificados nós não desatados por manifesta incapacidade de sobrepor o interesse colectivo ao das corporações - nelas incluídas a dos alunos e dos encarregados de Educação, uns e outros balançando entre a preferência pelo critério facilitador (a maioria) ou o da excelência.
O desastre em que se constituíram os resultados dos exames dos 9.º ano e 12.º ano de escolaridade é paradigmático. A quantidade de chumbos, sobretudo a Português e a Matemática, suscitou reacções entre o ponderado e o patético.
Se é já de si espantosa a argumentação segundo a qual o agravamento de chumbos se ficou a dever a um nível de exigência dos exames superior ao primarismo dos conteúdos das provas dos anos anteriores - e que muito jeito deram para martelar estatísticas de um sucesso escolar empírico-balofo! -, é sobretudo preocupante o discurso de alguns responsáveis de associações de professores a tentar desculpabilizar o défice dos resultados do actual sistema de ensino pela falta de poder de concentração dos alunos!
Explicar a razia dos resultados dos exames pela desconcentração dos alunos é, objectivamente, uma desculpa esfarrapada - e à falta de não especificação espero que a distracção dos alunos não tenha sido provocada por estarem a substituir pilhas de uma qualquer calculadora em pleno exame!
Uma tal desculpa arrasta, inclusivamente, o risco demagógico de um dia destes haver alguma alma iluminada adepta do eduquês a sugerir que se faça a apologia da contratação de Paulo Futre para embaixador itinerante do Ministério da Educação. Após o sucesso mediático em que converteu a sua intervenção a candidato a director desportivo nas últimas eleições do Sporting, quando pôs "na ordem" um jornalista que interrompia a sua alocução sobre o célebre chinês virtual e o "vai vir charters" - "sócio, agora não, estou concentradíssimo!" reagiu Futre -, já não faltará muito para que apareçam (pseudo)pedagogos a admitir a sua figura-referência nas salas de aulas e de exames como exemplo-estímulo de concentração da estudantada!
O modo como se têm consubstanciado as explicações sobre o insucesso escolar acaba, no fundo, por ser mais um repto lançado ao novo ministro da Educação para a aplicação de critérios de exigência mais elevados - verificável já nas primeiras medidas anunciadas ontem, a começar pelas de uma nova organização curricular.
Será interessante seguir o percurso de Nuno Crato no mastodôntico Ministério da Educação. Será capaz do virtuosismo (à Futre, mas o dos relvados) de implodir o actual sistema ou acaba por ser por ele deglutido?

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
16/07/11

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