Tão amigos que nós
vamos continuar a ser
Na
vacuidade dos discursos diplomáticos encontram-se muitas subtilezas. A
mais sui generis reside talvez na destreza com que os diplomatas
transformam o mau no aceitável e o duvidoso no bom. A chamada "real
politik" económica é, nesse particular, paradigmática de como os
chamados valores essenciais são facilmente atirados para as calendas, a
bem das relações bilaterais, dos negócios frutuosos, das recepções nas
embaixadas coroadas a vinho francês e salgadinhos coloridos.
A
revolta no Médio Oriente a que vamos assistindo por estes dias, e a
forma como a União Europeia e os Estados Unidos demoraram a acordar para
a realidade, ilustra na perfeição o engajamento dos estados face a
poderes não-democráticos, em muitos casos corruptos, na maioria
desrespeitosos dos Direitos Humanos.
Em Portugal, e, de uma forma
geral, no Mundo ocidental, a classe política vai protagonizando sessões
públicas de contorcionismo. Quase todos têm telhados de vidro. Sócrates
(que, em 2007, durante uma visita de Kadafi a Portugal, lhe enalteceu
as suas "visões estratégicas" e a sua "sabedoria"), Berlusconi, Merkel,
passando pelos vários líderes norte-americanos.
Todos padecem do
mesmo mal e fatalidade: são coniventes com as práticas de regimes que -
queremos crer - não toleram apenas porque a inevitável diplomacia
económica o determina. Para os chefes de Estado e de Governo do Mundo
democrático, as lideranças autocráticas vão oscilando entre o repúdio e o
fascínio. Com vantagem clara para o último. Já para não falar dos
bancos suíços, tão afoitos a zelar pelas fortunas de sangue desses
tiranetes e tão diligentes a congelar-lhes as contas quando estoura a
borrasca.
Ora, não é crível que algo mude com esta sublevação
popular. A estratégia calculista dos estados manter-se-á, na exacta
proporção da sua dependência do petróleo. Sobre isto, Basílio Horta, o
homem que lidera o investimento português no estrangeiro, foi
cristalino: a aposta no Médio Oriente é para durar, independentemente de
quem sejam os insanos que governem o território.
A corrida,
agora, é entre os estados que não querem chegar atrasados ao futuro
desses países que tombam. Com ditadores ou sem eles, o petróleo
continuará a brotar do subsolo. E, uns bons metros acima, vai ser
preciso reconstruir as estradas e os edifícios.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
25/02/11
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