O SNS
e os desperdícios
Num momento em que muitos aproveitam para exigir uma redefinição do papel do Estado na economia
Num momento em que muitos aproveitam para exigir uma redefinição do papel do Estado na economia, importa recordar que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) português tem alcançado progressos em termos de cuidados de saúde, prevenção e saúde pública que o têm colocado como um dos melhores da União Europeia. Estes resultados são sempre omitidos quando se discute a dotação orçamental anual considerada sempre excessiva com o argumento que melhores resultados seriam alcançados com os prestadores privados. Cada um é livre de expressar o seu pensamento mas em regra nunca é fundamentado: é apenas "porque sim"!
Múltiplos factores pressionam, em todo o mundo e em especial na Europa, a despesa em saúde. A inovação em meios auxiliares de diagnóstico e terapêutica, as necessidades especificas de uma população a envelhecer rapidamente, o comportamento mais preventivo dos utentes e a maior incidência de patologias de terapêutica muito dispendiosa (caso da oncologia, por exemplo) constituem alguns dos factores que justificam uma subida permanente da despesa pública em saúde. Portugal não tem sido, nem poderia ser, excepção.
Mas num País em que dificilmente o poder político consegue definir prioridades ou objectivos para um horizonte superior à eleição seguinte, o SNS tem sido não só objecto de uma inexistente gestão de recursos humanos como também de um subfinanciamento crónico há mais de duas décadas.
Durante muitos anos, a deliberada insuficiência de recursos era resolvida com os famosos orçamentos rectificativos que permitiam discussões infindáveis na Assembleia da República sobre as "derrapagens inaceitáveis". A partir de 2002 assistiu-se a uma solução virtual com a criação dos Hospitais EPE que viriam introduzir, diziam muitos, uma gestão racional e minimizar o desperdício mas que em minha opinião, expressa na época, visavam apenas uma desorçamentação.
Com a discussão do OE 2011 ressurgiu o "mau comportamento" do SNS devido a um excesso de despesa, no corrente ano, de 500 milhões de euros face ao previsto. Pois é, ninguém reparou que a dotação inicial para 2010 tinha apenas, se eliminarmos as engenharias contabilísticas, um escasso reforço de 50 milhões de euros? Mais, sabe-se hoje que os Hospitais EPE têm vindo a aumentar o seu nível de endividamento para além da facturação em dívida.
É neste contexto que se deve interpretar a redução em cerca de 600 milhões de euros para o próximo ano. Claro que a revisão das comparticipações nos medicamentos terá um contributo para desacelerar a despesa do Estado (pesando muito mais no bolso dos portugueses que são já, segundo a OMS, dos cidadãos que mais pagam) mas não tenhamos qualquer dúvida que se assistirá a um agravamento de todos os indicadores financeiros. Mas, em minha opinião, os piores efeitos far-se-ão sentir na deterioração no acesso e na qualidade dos cuidados prestados.
Muitas vezes se usa o argumento dos desperdícios e da má gestão para justificar um racionamento da dotação para o SNS. Claro que existem, como em muitas outras áreas não essenciais à nossa vida. O caso mais recente foi divulgado na passada semana: no próximo ano, os utentes de um Hospital EPE que estava na linha da frente com um forte plano de contenção serão atendidos por profissionais com novas fardas desenhadas por um conhecido estilista e que teve custo de um milhão de euros (já agora, a titular da pasta não tem nada a dizer, ou melhor a fazer?).
Mas o próprio Estado também tem dado o exemplo de utilização duvidosa dos escassos recursos. O que dizer dos contratos com alguns (novos) hospitais privados para atendimento dos subscritores da ADSE que, em regra, são preteridos pelos detentores de seguros privados? Desde quando tem o Estado de garantir - a não ser por razões de complementaridade aos seus próprios serviços - uma actividade lucrativa ao sector privado? Pergunta estúpida! Claro que este caso não é único nem o pior.
Professora universitária, Economista
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
29/11/10
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