Pobreza já afecta mais
de 500 mil trabalhadores
Portugal é um dos países mais assimétricos da Europa na distribuição de rendimentos: os 20% mais ricos ganham 6,1 vezes mais do que os 20% mais pobres. E nem o facto de ter trabalho é garante de sobrevivência: há mais de 500 mil trabalhadores em risco de pobreza.
A persistência das desigualdades e o facto de em Portugal as disparidades de rendimentos serem "muito pronunciadas" são duas realidades identificadas no livro "Desigualdades sociais 2010, Estudos e Indicadores", que hoje, quinta-feira, é lançado pelo Observatório das Desigualdades no ISCTE, em Lisboa, e que será apresentado pelo ex-presidente da República Jorge Sampaio, e Freitas do Amaral. A obra tem por base estatísticas sobre a realidade portuguesa, com dados até 2009, sempre que possível cruzadas com dados da União Europeia (UE), e aborda cinco temas: disparidades de rendimento, pobreza, emprego e desemprego, educação e saúde.
A "extrema desigualdade na distribuição de rendimentos" é um fenómeno "persistente na sociedade e na economia portuguesas": em 2007, no conjunto dos 27 países da UE, só a Letónia era pior do que Portugal e ao nosso nível estavam a Roménia e a Bulgária. Do lado oposto, como países mais justos na distribuição da riqueza, aparecem os nórdicos: Eslovénia, Suécia e Eslováquia.
Como uma justificação para a persistência destas disparidades, o coordenador do estudo, Renato Miguel do Carmo, aponta o problema dos baixos salários de parte substancial da população empregada em Portugal. E revela um número surpreendente: 12% da população activa portuguesa - ou seja, mais de 500 mil trabalhadores - estão em risco de pobreza e não ganham o suficiente para proporcionar uma vida condigna à sua família, designadamente aos seus descendentes.
Para o Observatório das Desigualdades, a percentagem de crianças e jovens que, em Portugal, vive abaixo do limiar de pobreza é um dos dados "mais preocupantes" deste estudo: 23%, ou seja, quase um quarto dos menores de 18 anos vivem em situação de pobreza, um número 5% superior ao total da população (cuja taxa de pobreza estabilizou nos 18%, após as transferências sociais).
Os autores do estudo alertam que a dimensão dos números da pobreza infantil é "uma condicionante" nacional cujos impactos serão "dificilmente invertidos nos próximos anos" e colocam uma "pressão" sobre o sistema de educação, ainda a braços com uma das mais elevadas taxas de abandono escolar da Europa (em 2008, Portugal tinha uma taxa de 35,4%, contra 14,9 da UE).
As baixas qualificações dos trabalhadores e o défice de formação ao longo da vida são outros handicaps apontados ao desenvolvimento da sociedade e da economia portuguesa, agora a braços com o aumento do desemprego que afectou tanto a população activa mais jovem como a mais velha e contribuiu para o aumento do desemprego de longa duração.
Os autores do estudo admitem que o desemprego é, actualmente, "a questão central" que Portugal enfrenta e que há o "sério risco" de contribuir para uma sociedade ainda mais desigual e agravar os problemas estruturais do país.
Segundo o estudo, Portugal apresenta um capital humano bastante desqualificado. Apesar de algumas melhorias - entre 1998 e 2008 diminuiu 10,4% o número de pessoas que não foi além do 9º ano -, em 2008 apenas 28,2% da população com idade entre 25 e 64 anos tinha concluído pelo menos o secundário. Só Malta tinha um valor mais baixo.
Às baixas qualificações - ainda que no caso dos trabalhadores por conta de outrem sejam em média superiores às dos empregadores - soma-se o problema do elevado abandono escolar precoce: 35,4% em 2008, contra 14,9% da média europeia. Portugal é um dos países com mais baixos níveis de aprendizagem ao longo da vida, embora seja algo que está a aumentar.
Há um recorde de que Portugal se pode orgulhar: o de ter conseguido reduzir a mortalidade infantil em 10 anos em 2,7%, tendo agora uma das mais baixas taxas dos 27 países da UE, e de ter conseguido aumentar em três anos a esperança média de vida (situava-se em 79,4 em 2008). Contudo, apesar de ser um dos estados-membros que em termos proporcionais mais investem em saúde (6,8% do PIB), Portugal tem alguns indicadores pouco favoráveis em termos europeus, como um menor número de médicos e de camas por habitante. Persistem importantes desigualdades regionais: Algarve e Alentejo são as regiões com menos camas e enfermeiros por habitantes e no Alentejo e regiões autónomas faltam médicos.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
02/12/10
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