30/12/2010

HELENA GARRIDO



O mundo mudou 
         José Sócrates

A dura realidade vale mais do que o melhor dos argumentos.


A mensagem de Natal do primeiro-ministro revela que o mundo mudou José Sócrates. Apesar disso, o pedido de ajuda financeira parece inevitável. Mas pelo menos já temos as medidas e as orientações políticas mais correctas em concretização.

O primeiro-ministro raramente se dirige ao País. E este ano deveria tê-lo feito pelo menos duas vezes. Quando aplicou o primeiro plano de austeridade em acordo com o PSD, após a intervenção europeia na Grécia, em Maio. E no dia 29 de Setembro, quando os portugueses foram confrontados, numa conferência de imprensa após a reunião do Conselho de Ministros, com o conjunto mais recessivo de medidas de que há memória desde a última intervenção do FMI na década de 80. Não o fez.

Sabemos agora que mudou. A intervenção de José Sócrates neste Natal revela uma autêntica revolução nas prioridades de política económica. Finalmente a razão substituiu a emoção e a negação da realidade.

Muitos foram os que anteciparam a inevitabilidade de mudar de política e de discurso. Era preciso reconhecer a crise, apelar à poupança e à redução do consumo e suspender os ditos grandes investimentos. José Sócrates foi avisado quer pela sua equipa no Governo como pelo Banco de Portugal e pelo Presidente da República. Mas só depois do Verão, após a ameaça séria de Portugal e a sua banca ficarem sem financiamento, é que o primeiro-ministro percebeu que não valia a pena combater os mercados financeiros.

Quando se fala, abstractamente, em mercados é preciso ter consciência de que se está simplesmente a dizer que o País está nas mãos dos credores e, como acontece com qualquer empresa ou família, tem de demonstrar que é capaz de pagar o que já deve. Caso contrário ninguém lhe quer emprestar mais. Foi isso que o primeiro-ministro não quis entender. Uma atitude que se compreende quando enquadramos esta dependência financeira do País no facilitismo de concessão de crédito em que viveu o sector financeiro. Mas que não se pode apoiar quando essa atitude, fundamentada em critérios de injustiça, é de um líder de Governo a quem se exige que resolva problemas e não se fique pela fúria.

Há um ano o primeiro-ministro insistia no investimento em "infra-estruturas de transportes e comunicações, escolas, hospitais, barragens e energias renováveis". É hoje claro que temos excesso de capacidade nos transportes. Nos hospitais há um problema de distribuição e só na educação - e na Justiça, esquecida também este ano - é que mantemos um défice de infra-estruturas e especialmente de organização.

Mas José Sócrates começou finalmente a perceber qual é o problema. É isso que se percebe na mensagem de Natal deste ano quando afirma que "está em causa o financiamento da nossa economia, a protecção do emprego, a credibilidade do Estado português, e o próprio modelo social em queremos viver". E como o problema pode e deve ser resolvido, com "reformas estruturais nos sectores, como a energia, a educação, a ciência, a tecnologia".

Apesar de toda a austeridade, apesar das mudanças na política económica e nos sinais dados às famílias e empresas, Portugal pode ter já o seu destino traçado. O pedido de ajuda financeira pode ser inevitável, quer porque os nossos credores nos pedem taxas de juro demasiado altas, quer porque nem sequer estão dispostos a conceder-nos empréstimos. Mas, pelo menos, já temos em andamento as políticas e as orientações que nos podem permitir sair mais cedo desta crise.

Fica em aberto a questão: se Sócrates tivesse sido menos teimoso, já estaríamos fora do radar de risco dos mercados financeiros? Talvez sim. Aquilo que José Sócrates disse no dia 25 de Dezembro podia e devia tê-lo dito em Maio ou, pelo menos, antes do Verão.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
27/12/10

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