30/12/2010

ALMORRÓIDA PERDULÁRIA


Saúde gastou 21 milhões de euros 
em consultoria que não serviu para nada

Por Alexandra Campos, João d´Espiney

O Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH) pagou a três consultoras 21 milhões de euros pelo seu contributo na constituição das três unidades de serviços partilhados mas esta estratégia conduziu o serviço a uma "situação financeira crítica".

O Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH) pagou, só a três empresas privadas de consultoria e gestão, mais de 21 milhões de euros até ao final de 2009, um montante quatro vezes superior ao total do prejuízo registado nesse ano por este organismo tutelado pelo Ministério da Saúde. Os valores surgem no relatório final da auditoria do Tribunal de Contas (TC) ao SUCH, a que o PÚBLICO teve acesso, e que volta a ser muito crítico da gestão presidida por Paula Nanita, que foi demitida no final de Junho.

As unidades de serviços partilhados criadas através de agrupamentos complementares de empresas (Somos Pessoas, Somos Contas e Somos Compras), com a participação dos operadores privados CapGemini, Accenture e SGG (Deloitte), "não contribuíram para a redução do défice do Serviço Nacional de Saúde expectável e observado em iniciativas internacionais semelhantes", destaca o TC. A agravar, esta estratégia conduziu a associação "a uma situação financeira crítica, com eventuais consequências na sua própria sobrevivência".

As unidades de serviços partilhados redundaram "numa fuga às regras da concorrência", mas não tiveram a adesão esperada por parte dos associados do SUCH (hospitais públicos, administrações regionais de saúde e misericórdias), reflectindo-se de imediato na deterioração dos seus resultados. Em 2009, o SUCH apresentou resultados líquidos negativos de cinco milhões de euros, lê-se no relatório final da auditoria do TC - cujas conclusões e recomendações são em quase tudo semelhantes às do relatório inicial, ainda sem contraditório. Ontem, o PÚBLICO tentou confrontar Paula Nanita com os resultados definitivos, sem êxito. Na altura, em entrevista ao PÚBLICO, a anterior presidente do conselho de administração do SUCH contestou com veemência estas conclusões.

Na base do agravamento da situação está, defende o TC, a "falta de conhecimento do SUCH e dos parceiros privados sobre as idiossincrasias do sector público da saúde nas áreas de compras, gestão de recursos humanos e gestão financeira e contabilística", além do "excessivo recurso a financiamento bancário" (33,2 milhões de euros, em 2009). O TC põe ainda em causa o facto de o SUCH não ter aberto concurso público para seleccionar os parceiros e ter escolhido a CapGemini, a Accenture e a SGG com base nos seus currículos. Estas foram remuneradas com 4,3 milhões de euros, 9,4 e 7,6 milhões de euros, respectivamente, pelo seu contributo na constituição das três unidades de serviços partilhados.

Central criada sem estudo

Entretanto, face à "falência" desta estratégia, a tutela criou os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), a chamada central de compras da saúde, que herdou os activos e passivos da Somos Pessoas, Somos Contas e Somos Compras. Um organismo que já tem um conselho de administração nomeado e que o ministério acredita possa vir a gerar poupanças de milhões de euros por ano, quando estiver em velocidade cruzeiro. Mas a forma de constituição desta entidade merece também um duro reparo do TC, que solicitou ao gabinete da ministra Ana Jorge os estudos técnicos que demonstram a sua viabilidade e racionalidade económicas. Em 15 de Setembro, lamenta o TC, os estudos que, "de acordo com as regras de boa gestão, deviam ter sustentado a priori a decisão de criação dos SPMS, encontravam-se ainda em elaboração".

O TC recomenda, assim, ao primeiro-ministro que mande fazer um estudo de viabilidade económico-financeira da central de compras e volta a sugerir que altere a natureza jurídica do SUCH, por considerar que a associação não deve continuar a usufruir do estatuto de utilidade pública administrativa.

IN "PÚBLICO"
30/12/10

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