04/09/2010

ANA SÁ LOPES


A Europa racista

Olhando a complacência com que lida com a expulsão dos ciganos de França, a Europa pode meter no lixo a "superioridade moral" e os tratados
O embaixador José Cutileiro escreveu, na morte do historiador britânico Tony Judt, que se alguém só conseguisse ler um livro sobre a história da Europa, que lesse o "Pós-Guerra". Judt escreveu muito e extraordinariamente sobre a refundação da Europa com base no esquecimento e em como a ideia bondosa da União Europeia foi construída na tentativa de redenção do mal - para lá dos poderosíssimos interesses económicos que realmente desencadearam a originária comunidade do carvão e do aço, a pré-história dos "27".

Depois de 1945, as Alemanhas - Leste e Oeste - integraram calmamente os apoiantes do nazismo e prosseguiram as suas vidas com naturalidade e rápido sucesso económico a Oeste. A grande Noruega, o exemplo da civilização e do modelo social europeu, aceitou com tranquilidade a invasão hitleriana: o III Reich não precisou de enviar para Oslo muitos funcionários ocupantes, os próprios noruegueses assumiram a causa. Churchill enfrentou duas provas para fazer da Inglaterra um símbolo antinazi - é hoje talvez a única nação europeia "purificada" neste capítulo, mas à custa de duras penas: o sentimento antijudaico na Grã-Bretanha era imenso no povo e nas elites políticas e podia ter corrido tudo muito mal.

Da França de Vichy estamos conversados: Mitterrand, eleito em 1981 pela grande coligação de esquerda, dos comunistas aos trotskistas, também lá tinha estado a cumprir um papel de funcionário obediente. Muitos anos depois do fim da guerra, onde Estaline teve um papel fundamental na derrota de Hitler, os regimes do Pacto de Varsóvia continuavam generalizadamente anti-semitas, (houve grandes proclamações a Leste contra o "cosmopolitismo", que era uma maneira de dizer judeu) e o sentimento disparou quando os Estados Unidos começaram a apoiar Israel.

Isto passou-se tudo há tão pouco tempo que parece um feito incrível ter-se conseguido aprovar a Carta de Direitos dos Cidadãos da União, a livre circulação, e todos os bons sentimentos e esperanças escritos nos tratados da "Europa dos Cidadãos".

A deportação - palavra que a Europa conhece e aceitou tão bem - em França dos ciganos romenos, junta-se às iniciativas de Berlusconi e até de países insuspeitos como a Suécia (o "nosso" modelo). A Europa pode meter no lixo a sempre propagada "superioridade moral" e os tratados. A complacência com que está a lidar com o assunto - já foram deportados quase 1000 de França - é um sintoma de que nos podemos esforçar por fugir da história, mas a história não foge de nós. Horror.

Repórter principal

in "i"
02/09/10

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