Sem cabeça não se afoga
Quem foi empurrado para o poço onde a água já vai pelo pescoço – os trabalhadores, a maioria dos cidadãos, a própria democracia – está pronto a acreditar no milagre.
Muitos, lá em cima, aproveitam. "Não quer afogar-se? Corte a cabeça." Ernâni Lopes, nas jornadas parlamentares do PSD, propôs um corte de 15% a 30% nos salários dos funcionários públicos. Já o bispo auxiliar de Lisboa desafiou os políticos a abdicarem de 20% dos ordenados para um fundo de assistência aos pobres, gerido pela Igreja, que daria a esmola que resultou do que não é seu.
Nenhum deles diz que funcionários ou políticos já entregam parte dos seus vencimentos (chama-se impostos) e que é com políticas fiscais que se faz justiça social. Quem ganha mais paga mais. Os Ernâni Lopes deste país e a Igreja concordam? E, claro, nenhum deles se dispõe a abdicar do seu mas, prontamente, talham no que é dos outros. "A cru. Sem explicar nada", como disse o ex-ministro das Finanças. O mesmo que recebe uma reforma do Banco de Portugal há vinte anos. Tal como a Igreja desfere este ataque ao regime mas aceita não pagar impostos. Aliás, se essa instituição quer resgatar quem estrebucha no poço, porque não inicia o tal fundo com rendimentos do Santuário de Fátima? Pode começar com qualquer coisa entre 15 e 30 por cento.
Docente Universitária
Docente Universitária
in "CORREIO DA MANHÃ"
24/07/10
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