08/01/2024

MARIA CASTELLO BRANCO

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EgoMarxismo 

Os grupos ambientalistas que bloqueiam o trânsito, que se colam às paredes e atiram tinta a obras de arte são expressões arquetípicas da cultura de protesto burguesa do ocidente: formas dispendiosas, ineficazes e performativas de psicoterapia em vez de política séria. Juntamente com grande parte da esquerda radical, os ativistas do clima justificam o fraco apoio à sua causa como prova da irracionalidade popular, de interesses sub-reptícios e do poder das grandes empresas.

Mesmo tendo, em certa parte, razão no diagnóstico, as propostas que os ambientalistas radicais apresentam não têm hipóteses de vencer em sufrágio democrático, porque excluem a classe trabalhadora que, ironicamente, dizem representar. Promessas de que os empregos perdidos com o encerramento das indústrias do petróleo, do carvão e do gás serão substituídos por uma nova economia à base de moinhos de vento e parques solares são tingidas pelo historial de abandono das comunidades mineiras.

No outro dia, aliás, quando os ativistas do Climáximo bloquearam, à hora de ponta, o Viaduto Duarte Pacheco (uma das portas de Lisboa a quem vive fora, mas trabalha dentro), um homem arrancava o cartaz de um ativista, atirando-o para lá da lente das câmaras que filmavam a fúria do coitado, naturalmente chateado: estava a ser impedido de ir trabalhar para sustentar a família. O objetivo destas acrobacias parece ser obrigar os taxistas, os estafetas e os construtores a ficarem parados no trânsito para que estes manifestantes possam pregar livremente.

O movimento também exclui as pessoas racializadas, que vivem com riscos de criminalização e de detenção muito maiores do que pessoas brancas no ocidente, e para quem é muito mais arriscado alinhar num movimento cuja tática principal é ser-se preso. O conforto moral destes ativistas tem um custo alto para quem não partilha o luxo de se poder pendurar num viaduto a uma terça-feira de manhã.

Analisando esta questão quasi-contraditória do ponto de vista de Marx, podemos perguntar-nos se a condição social destes ativistas os protege do dano económico destas medidas radicais e abruptas que propõem. É que, quando quem fica preso no trânsito protesta, a resposta é sempre algo do género “Pedimos desculpa pelo incómodo, mas esperamos que as pessoas vejam, mais à frente, que a disrupção que estamos a causar é microscópica comparada com a disrupção que vamos todos enfrentar devido à crise climática.” Tradução: nós é que sabemos, seus cretinos.

Este egocentrismo empoleirado na superioridade moral é autofágico, claro, mas também é um dos sintomas do antropocentrismo. Os ativistas do Climáximo têm toda a razão quando argumentam que as alterações climáticas foram causadas pelo ser humano, mas perdem a credibilidade quando acreditam que é um punhado de manifestações no ocidente, criadas com o propósito da mediatização, que poderá travar este processo. É uma noção ingénua, classista e profundamente eurocêntrica.

O problema também está, claro, do outro lado: entre umas vozes escatológicas e outras perto do delírio utópico, nenhum dos participantes da COP28 que se realizou o mês passado no Dubai apresentou algo além da insistência em políticas que já falharam. E, no meio disto tudo, quem perde são as mesmas pessoas que os Climáximos julgam estar a proteger.

* Consultora política

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS" - 05/01/24.

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