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Elas pararam o gás
A Beatriz (link is external) está na água, com fato de mergulho, a bloquear a entrada do Porto de Sines enquanto diz para a câmara que está farta de ser explorada. Ela e as outras ativistas acusam as grandes empresas de energia de um crime nauseabundo, porque tudo no gás cheira mal: apesar de se chamar gás “natural” liquefeito, é tão fóssil quanto o petróleo, não permite a tão desejada transição climática, já que o metano retém 84 vezes mais calor que o CO2, além de que a sua extração cria tensões e conflitos criminosos nos locais onde acontece, como é o caso de Moçambique, Nigéria e Brasil, onde além disso os ecossistemas locais acabam destruídos.
Quem são elas? Elas são um conjunto de pessoas de várias idades e de vários pontos do país, que se organizam na plataforma Parar o Gás, mas representam muitos outros movimentos pela justiça climática: Climáximo, Scientists Rebellion, os diversos núcleos de Ocupas que no outono passado ocuparam as faculdades e as escolas portuguesas para chamar a atenção dos políticos e da população em geral para a urgência climática.
No último sábado o Terminal de Gás do porto de Sines, principal entrada de gás natural em Portugal teve as suas três portas bloqueadas por estas ativistas, uma delas presa pelo pescoço com um cadeado e amarrada pelos braços a outras ativistas criando uma barreira impossível de ultrapassar. Tal como outras ações pontuais que têm tido lugar nas sedes da Galp, REN e EDP nos últimos meses, as ativistas recorrem à desobediência civil para se fazerem ouvir. A desobediência civil consiste numa ação coletiva e pacífica de protesto que pode ser considerada ilegal e em que as autoras aceitam de forma consciente as possíveis consequências.
A mensagem é simples: defendem que o próximo seja o último inverno de gás em Portugal. Referem que a maior parte do gás utilizado em Portugal é para produção de eletricidade e acusam os governos e as empresas de viciarem o mercado no consumo de gás sem que haja uma aposta séria e justa nas energias renováveis. Nesse ponto e para quem se questiona qual a viabilidade real de pararmos a torneira do gás deixo a reivindicação do coletivo Empregos para Clima e a sua proposta de um Serviço Público de Energias Renováveis (link is external): “Ora, a energia é um bem essencial, e por isso deve ser gerida democraticamente na ótica do serviço público. Isto é especialmente importante face ao papel do sistema energético nas alterações climáticas. Precisamos de uma empresa pública de energias renováveis porque os serviços essenciais e o futuro da humanidade não podem ficar à mercê das mãos invisíveis das corporações fósseis”.
A energia renovável tem um custo de produção muito mais baixo que a energia fóssil e apesar de, no país, a produção de renováveis ter aumentado, os preços não baixaram para o consumidor. Ao mesmo tempo, a Galp e a EDP e a REN vêem os seus lucros aumentar em centenas de milhões. Até quando vamos ficar reféns destas empresas?
* Licenciada em Cinema, mestre em Comunicação e Media, bolseira de doutoramento em Sociologia no ICS da Universidade de Lisboa. Nasceu em Lisboa e vive na Horta, Açores, desde 2008. Co-diretora do Festival Maravilha na Horta
IN "ESQUERDA" -21/05/23.
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