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1 -É sinistro que, cinco anos depois de Pedrógão Grande, o Ministério Público queira condenar os operacionais dos incêndios em vez de ter em conta os milhares de quilómetros quadrados ocupados por espécies altamente combustíveis, fruto de uma ambição sem controlo das indústrias da madeira e do papel, que beneficiam dessa exploração económica exaustiva. Pior: os beneficiários deste negócio têm uma responsabilidade direta quanto ao desordenamento implícito de que beneficiam e continuam alheados dos custos de ataque ao fogo, fragilizando-o. Claro, há que acrescentar a responsabilidade, decreto a decreto, dos sucessivos governos que assobiaram para o lado, louvando o Valor Acrescentado Bruto destas indústrias, sem nunca fazerem a conta ao desequilíbrio territorial e à colossal diferença de forças entre o pequeno proprietário rural que ganha uns trocos versus os compradores finais da madeira (ardida ou não). São eles que enchem os cofres à custa de um frágil sistema social e ambiental. Follow the money costumava ser uma velha regra criminal.
Este combate está absolutamente perdido se não mudarmos para espécies endógenas, mais resistentes ao fogo, construindo o mosaico. Crime é não se fazer isto.
2 -Perdemos "130 mil euros/hora" por não termos um novo aeroporto. O número, obviamente produzido a martelo pela Confederação do Turismo Português é a última guloseima mediática sobre a chamada "não-decisão". Sabendo-se que não perdemos 130 mil euros/hora durante os oito meses do ano em que a Portela não está congestionada, a verdade é que 50 anos de espera tiveram a vantagem de não gerar uma dívida colossal e talvez nos tragam uma melhor decisão. Ou seja, uma alternativa/complementaridade à Portela, sem a destruição do Estuário do Tejo ou do ecossistema da Margem Sul. E afinal Alverca pode ser solução, ou até Santarém, ainda por cima feito por privados. Resultado: vale a pena esperar para não destruir o único fator irreversível da equação - a natureza
3 -Fez quinta-feira 10 anos que mais de um milhão de portugueses saiu à rua a protestar com a chamada medida "TSU" - os descontos para a Segurança Social recuariam de 23,75% para 18% nas empresas, aumentando de 11% para 18% nos trabalhadores. É um exemplo impressionante de como os portugueses percebem a diferença entre uma medida ideológica versus a necessidade de ter contas públicas aceitáveis. Ou seja, o protesto só aconteceu mais de um ano após Vítor Gaspar ter anunciado o corte de 50% nos Subsídios de Natal de todos os trabalhadores, além de cortes nos pensionistas e outros aumentos de impostos.
Aqui chegados, não faço prognósticos sobre como vão reagir as pessoas às tímidas reposições que Costa e Medina andam a propor. Há algumas coisas que sei: quanto mais o Estado der, mais impostos há de ir buscar de forma definitiva; tirando o Turismo, não parece haver mais nenhum boom de produtividade ou geração de riqueza sustentada em curso; nenhum salário ou pensão volta atrás - o que está aumentado, deve ser respeitado. Portanto, se as contas do país começarem a derrapar e a perder rating, vai afetar tudo. O que vamos perder em juros na dívida pública para os especuladores faz-nos regressar aos défices fortes. E o impacto das taxas de crédito à habitação nas dívidas de dezenas de milhares de euros é indefensável através de aumentos salariais. Vai ser difícil. Solução fácil: ser populista já. Da esquerda à direita, todos pedem isso a Costa. De facto, Putin vai conseguir pôr a Europa toda a arder com a inflação.
* Licenciado em Direito, realizador de cinema, argumentista e cronista na imprensa escrita.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS" - 18/09/22.
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