06/06/2022

MAFALDA ANJOS

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As pedras no caminho
estreito de Montenegro

Faltam mensagens claras, firmeza de objetivos, ideias e propostas claras. Não chega olhar para trás e voltar a encher a boca com o PPD de Sá Carneiro, essa figura mitológica tutelar   

Em Montenegro, na zona da cidade velha de Kotor, há uma ruela empedrada chamada Pusti Me Proc. Significa “deixa-me passar” e é conhecida como a rua mais estreita da Europa. Não teria este factoide qualquer relevância, não fora a coincidência de a nomenclatura me dar uma boa imagem sobre o que tem pela frente o novo líder do PSD: um estreito caminho das pedras, que tem de conseguir licença para percorrer.

Comecemos, então, pelo princípio da rua. O caminho é estreito, mas é, apesar de tudo, melhor do que o percurso que vinha de trás. “Quem ganhou foi Portugal”, disse Luís Montenegro no arranque do seu discurso de vitória nas diretas para a eleição do líder do PSD, no fim de semana passado, sublinhando aquilo a que se propõe: ser alternativa ao Partido Socialista para governar Portugal. Completamente de acordo: Portugal ganhou, porque é improvável Montenegro fazer pior oposição do que a de Rui Rio – sem mundivisão, colaborante, errática e ideologicamente ziguezagueante. E uma oposição estruturada e forte é essencial em qualquer circunstância, mas sobretudo quando existe uma maioria absoluta.

Sendo este o ponto de partida – poucochinho, como o interesse que as eleições despertaram no partido (quase 40% de abstenção entre os 44 mil militantes com capacidade de votar) e no País (cobertura mediática diminuta) –, a situação só pode, pois, melhorar. Montenegro propôs-se enterrar a ideia de entendimentos ao centro e a convivência pacífica com António Costa. Como parlamentar treinado que é, cá estará para criticar as medidas do Governo e também, espera-se, apontar alternativas.

É aqui que toca o ponto: a alternativa. É que, mais do que dizer ao quem vem, Montenegro diz ao que não vem. Apresenta-se como a opção não-socialista, por oposição e não por posição. E, no início da rua estreita, há logo pedras levantadas na calçada. Luís Montenegro escolheu, para fazer a sua moção estratégica, a mesma pessoa em quem Rui Rio apostou para desenhar o programa eleitoral de 2019 (Joaquim Miranda Sarmento). Não é propriamente a solução mais evidente para quem quer enterrar o rioísmo. O resultado é um conjunto de ideias bem-intencionadas, mas que soam naturalmente a mais do mesmo: fazer reformas, eliminar a burocracia, criar mais riqueza e conseguir mais justiça social.

Para chegar ao fim da rua apertada, Montenegro tem de apresentar um plano para o PSD e um plano para o País. O que é o PSD hoje, afinal? Com quem fala e a que se propõe? O dilema existencial é evidente, com forças especializadas a crescer à direita e a ocupar o espaço dos liberais e dos populistas e reacionários, e um PS instalado 11 anos no poder à esquerda. O PSD, que já foi visto como “o partido mais português de Portugal”, enquistou-se e perdeu, além de quadros de valor, dinâmica e representatividade social, posicionamento ideológico, ambição. É preciso começar, antes de mais, por aqui. Um líder que não percebe isso não está a medir bem a estreiteza da via que tem pela frente.

Faltam mensagens claras, firmeza de objetivos, ideias e propostas claras. Não chega olhar para trás e voltar a encher a boca com o PPD de Sá Carneiro, essa figura mitológica tutelar. Criticar, sim, mas indicar melhores caminhos e olhar para problemas a que ninguém está a prestar atenção. Reformar, sim, mas explicar para quê e em que moldes e traçar os resultados expectáveis. Para isso, seria inteligente recuperar a ideia de Jorge Moreira da Silva de fazer um governo-sombra de especialistas temáticos: é preciso, no PSD, mais pensamento, de maior qualidade, com mais mundo. Só assim será visto como a alternativa de que o País precisa neste bipartidarismo imperfeito em que assenta.

E, depois, é conveniente evitar parar para falar ou negociar com as más companhias que tentam percorrer a mesma rua estreita. A falta de clareza de Rui Rio em relação ao Chega, e a forma como desbaratou o voto útil ao deixar entreaberta a porta para se entender com ele, foi um dos seus maiores erros estratégicos e pode bem ter dado a maioria absoluta ao PS, afastando um eleitorado moderado ao centro. Convém Montenegro não tropeçar na mesma pedra, senão não chega ao fim da rua sem se esfolar.

* Directora da revista

IN "VISÃO" - 02/06/22.

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