25/10/2021

JOANA AMARAL DIAS

 .





Maior e vacinada me confesso

Fiz um curso intensivo na primeira década do século XXI intitulado: "Os políticos mentem e os cientistas ainda mais". Deixem-me contar-vos essa história. Activista desde os 19 anos, comecei a minha vida política pouco antes da invasão do Iraque, em 2003. Era deputada e a oposição a essa sangria valeu-me uns encontros complicados com a polícia. Durão Barroso era primeiro-ministro, coligado com Paulo Portas. Depois de ser mordomo dessa terrível guerra, selada na Cimeira das Lajes, nos Açores, com José Maria Aznar e Tony Blair, Barroso passou a presidente da Comissão Europeia, depois a presidente da Goldman Sachs. Hoje é presidente da Aliança Global para as Vacinas. A justificação internacional e oficial apresentada foi a existência de armas de destruição em massa. Lembram-se? George W. Bush decidiu invadir o Iraque e Colin Powell validou a operação com uma inesquecível intervenção nas Nações Unidas: "Temos relatos em primeira mão de fábricas de armas biológicas", afirmou esse responsável máximo da diplomacia americana. Durão Barroso também o garantiu na Assembleia da República. Portas jurou ter visto provas insofismáveis. Só que nenhum viu, porque elas nunca existiram. Não foi nenhuma alucinação colectiva, paranóia ou profissão de fé. Foi tão-só e apenas uma mentira colossal destinada a milhões de cidadãos do mundo inteiro. A mortandade prosseguiu mais nove anos. Custou biliões de dólares e milhares de vidas. Seguiu-se uma guerra civil. Eis do que os políticos são capazes.

Entretanto, fiz a segunda parte do curso intensivo. Os cientistas mentem com todos os dentes da boca. Nada, criada e formada numa família de investigadores e académicos, esta constatação foi um murro no estômago. Explico: comecei o meu activismo com uma agenda ecológica e quando, lá para 2008, veio nova vaga de alarme sobre as alterações climáticas eu estava na primeira fila de megafone em punho. O escândalo do Climategate em 2009 arruinou as minhas convicções ambientalistas. Saber que centenas de reputados climatologistas britânicos e norte-americanos manipularam dados científicos para exacerbar argumentos e suportar a tese da origem humana do aquecimento global foi difícil de digerir. Como podia a Climate Research Unit, da Universidade de East Anglia, um centro mundialmente reconhecido no estudo das alterações climáticas naturais e antropogénicas, embarcar em burlas estatísticas ou na ocultação de informação? Dediquei-me então a ler sobre a permanentemente mutante temperatura do planeta. A minha altura favorita é a Pequena Idade do Gelo, quando no século XVII, na Europa, estava tanto frio que as aves caíam mortas do céu. Sobretudo regressei sempre à filosofia (muito obrigada a Luciana Mansilha, minha professora de 10 e 11 anos) e à permanente urgência do pensamento crítico, seja lá perante que autoridade for, seja mediante qualquer suposta verdade, teoria ou número. É a humanidade, estúpido! Duvido, logo existo. Pergunto, logo respiro. Fiquei maior e vacinada. Foi em tudo isto que dei por mim a pensar enquanto assisto ao cuspir de milhares para a pobreza em nome do combate ao aquecimento global, precisamente na semana em que Collin Powell morreu de covid embora tivesse as duas doses da vacina (da covid, neste caso). Logo ele, um dos poucos (talvez o único) que se arrependeu de ter mentido sobre armas biológicas. Descanse em paz.

* Psicóloga clínica, comentadora política.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS" - 24/10/21

.

Sem comentários: