15/08/2021

ÓSCAR GASPAR

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  Despovoamento, 

envelhecimento e 

economia local

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Em Portugal, o declínio populacional e o envelhecimento são desafios enfrentados por todo o Interior. Nas últimas décadas, muitos concelhos conheceram grandes transições demográficas sobretudo devido à emigração líquida de jovens adultos e ao envelhecimento da população que ficou. Desde 2009, cerca de dois terços dos concelhos sofreram uma diminuição da população. Em alguns, como o de Miranda do Douro, a diminuição foi mais grave e o índice de envelhecimento passou de 311, em 2010, para, imagine-se, 389 em 2019; nos mesmos anos, em Portugal na totalidade, já de si envelhecido, os valores foram de 122 e 161, respetivamente (Pordata).

Em Miranda do Douro os sinais são de despovoamento, de envelhecimento, de perda de rendimento, de erosão do sistema de educação, de colapso do sistema de saúde, de dificuldades acrescidas na agricultura, na indústria, no comércio e na restauração, e de extração dos seus recursos naturais a favor do litoral. Infelizmente, tudo o que se observa são sinais de declínio acentuado com o patrocínio dos decisores de política nacional e local.

Em particular, porque é o reflexo de tudo, os decisores políticos a nível nacional e local deveriam estar preocupados com a diminuição da população e tomar cuidadosamente nota da dinâmica local de envelhecimento. Tendo chegado ao declínio acentuado, deveriam estar conscientes que não se fixam jovens sem um sistema educativo exemplar, que as pessoas idosas estão cada vez mais isoladas de serviços essenciais para ter a qualidade de vida que merecem, que a solidão prolifera, que a quebra de laços de vizinhança é expressiva e que, a menos que se deseje potenciar riscos de pobreza e exclusão social, a economia é essencial na reversão da tendência.

Só por si, a mudança da estrutura da população não deixa de afetar a atividade económica, a oferta e as necessidades de bens públicos, sobretudo ao nível dos serviços de saúde e educação. A diminuição da população, conjugada com o aumento da idade média, tem provocado uma quebra abrupta da criação de riqueza, e uma redução expressiva do número de estabelecimentos escolares e de serviços de saúde disponíveis.

A redução do número de escolas parece corresponder também ao declínio na qualidade da escolaridade. Tal padrão tem consequências negativas para os jovens e contribui para uma maior emigração de escassa população jovem. Pelo contrário, as oportunidades educacionais de qualidade facilitam o desenvolvimento económico, pelo que, sendo o desinvestimento na educação problemático no contexto de uma comunidade envelhecida, nunca deve ser permitido por uma câmara municipal. O comprometimento com o futuro exige que rapidamente se adotem políticas de apoio à educação e à reversão da sua erosão.

A diminuição da oferta de serviços de saúde é igualmente problemática. Traduz-se num menor acesso local aos cuidados necessários e está em clara contradição com as elevadas necessidades de cuidados de saúde da população. Neste contexto, como se compreende que haja quem ainda questione a necessidade de reduzir o isolamento e proporcionar melhor qualidade de vida à população, adotando medidas como o seguro de saúde municipal, a telemedicina, o recrutamento de mais profissionais de saúde, a garantia de funcionamento de centros de saúde 24 horas por dia, o fornecimento de transporte aos centros de serviços da forma mais conveniente e barata possível.

As tendências demográficas de despovoamento e de envelhecimento uma vez permitidas, raramente invertem rapidamente o seu percurso. Nunca o inverterão sem a implementação de medidas de apoio à agricultura, à indústria, ao comércio e ao turismo. Torna-se, por isso, necessário tomar medidas que ajudem a ultrapassar os prejuízos decorrentes da pandemia, os constrangimentos da tendência e a modernizar os setores mais dinâmicos da atividade económica.

A escolha é muito clara: ou se opta pelo comprometimento com o passado recente que, a manter-se, levará a que Miranda do Douro fique sem habitantes em 2094, ou se opta pelo comprometimento com o futuro que ambicione uma reversão da tendência e, consequentemente, uma terra de que todos os munícipes se orgulhem.

* Docente da Faculdade de Economia da Universidade do Porto e sócio fundador do OBEGEF

 IN "DINHEIRO VIVO" 07/08/21

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