28/08/2021

SOFIA AURELIANO

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Nudging para que te quero

Em democracia, a aposta segura será sempre na cenoura. Nunca no chicote. No incentivo, nunca na obrigação

1.Chicote vs. Cenoura. O governo decidiu retirar alguns alimentos dos bares e cantinas das escolas. Não é uma medida consensual, apesar de poder parecer bem intencionada. Antes de mais,  é coxa, porque interfere na liberdade de escolha dos indivíduos em relação à sua alimentação, forçando a uma mudança de comportamento ao limitar as opções disponíveis. Como qualquer medida paternalista, esta torna-se de efeito preverso se não apostar na pedagogia, na reeducação alimentar e no envolvimento dos cidadãos na tomada de decisão. De nada servirá forçar um comportamento na escola, se este for entendido como obrigação. Porque, à primeira oportunidade (em casa ou no café da esquina, por exemplo), é quebrada a regra imposta.

Em opção, o que é que temos? O nudging, conceito apresentado por Richard Thaler e Cass Sunstein há mais de uma década, cujo exemplo mais clássico é precisamente o efeito da mudança da disposição dos alimentos nas cantinas escolares: colocando a fruta ao nível dos olhos e em evidência, provou-se que o consumo de fruta aumentava. Não deixaram de existir sobremesas nem açucarados, mas o facto de estarem menos próximos ou destacados reduziu o seu consumo, levando mais pessoas a optar pela alternativa saudável. Podendo ser uma medida paternalista, é também libertária, uma vez que não obriga à mudança de comportamento. Estimula-a.

O nudging é uma ferramenta muito utilizada na formulação de políticas públicas, com inúmeros casos de sucesso testados. Está na altura de Portugal entrar na lista de países que o utilizam de forma consistente. Até porque em democracia, a aposta segura será sempre na cenoura. Nunca no chicote. No incentivo, nunca na obrigação.

2.Máscaras para continuar? Os tempos de pandemia levaram a muitas limitações e interferências nos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. A obrigatoriedade do uso de máscara ao ar livre é uma dessas limitações, forçando um comportamento individual em prol do bem comum. A lei que regula esta obrigatoriedade estará em vigor até 12 de setembro. E o governo, que já avançou para a última fase de desconfinamento, já deixou clara a intenção de pôr fim a esta obrigação. Mas não foi além de um manifesto de intenção e a efetiva decisão, chutou-a para o Parlamento, com a desculpa de que foi de lá que veio a lei. Na realidade, trata-se de uma fuga para a frente, mais uma demissão da assunção de responsabilidades. Vejamos: se o Parlamento puser fim à lei e se revelar que essa medida tem consequências negativas ao nível da Saúde Pública, a culpa é dos deputados. Se os partidos optarem por manter a obrigatoriedade do uso de máscara, uma medida claramente impopular mas absolutamente necessária, é o Parlamento que está a travar o regresso à normalidade, quando para o governo não havia dúvidas de que a sociedade está pronta para avançar.

O PSD, principal partido da oposição que pode ter impacto determinante na decisão final, recusa-se a tomar uma posição baseada na direção do vento, pelo que pediu que os peritos que têm sustentado a decisão política se reunissem para refletir sobre esta matéria. O governo recusou agendar a reunião. Pena que as manobras político-partidárias e o populismo continuem a ter primazia sobre a saúde dos portugueses e não se opte pela opção responsável (e corajosa):  decidir com base na evidência científica, mesmo que isso signifique a manutenção de medidas que geram mal-estar e acumulam críticas.

3.Tudo ou nada. Mais uma vez, falta uma estratégia assente na pedagogia e na informação, que explique porque temos, enquanto sociedade, que continuar a ter determinados comportamentos preventivos e qual é o papel de cada um de nós na defesa dos interesses de todos. O governo criou uma task force de cientistas comportamentais, o que levaria a pensar que tem consciência da importância da informação para a influência de comportamentos. Mas até agora não vimos nada dessa task force, nenhuma estratégia de comunicação ou técnicas de incentivo para a adoção de boas práticas. Esta última fase de desconfinamento é o momento certo para que o coletivo de especialistas dê a cara e apresente um plano estratégico. É a derradeira oportunidade destes especialistas deixarem de ser apenas nomes num papel e se mostrarem úteis, garantindo que os portugueses sabem e compreendem que, independentemente do levantamento das restrições, a sua saúde e a dos que lhes estão próximos depende diretamente dos seus comportamentos.

Para podermos vir a ter tudo outra vez, não podemos mergulhar de cabeça no vazio, ignorando todas as regras. Temos de viver cada dia como uma conquista. Conscientes, serenos, solidários. Até que nos chegue a vitória.

Assessora de Comunicação Política, desde 2011, na Assembleia da República

IN "SOL" - 25/08/21

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