28/08/2021

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GOSTO ᗪᕮ ᑭᗩᒪᗩᐯᖇÕᕮS

𝐌𝐈𝐆𝐔𝐄𝐋 𝐆𝐔𝐈𝐋𝐇𝐄𝐑𝐌𝐄 𝐥𝐞̂ 𝐌𝐈𝐆𝐔𝐄𝐋 𝐄𝐒𝐓𝐄𝐕𝐄𝐒 𝐂𝐀𝐑𝐃𝐎𝐒𝐎


* A péssima captação de som estraga a qualidade da interpretação

Gosto muito de palavrões, como gosto de palavrinhas e de palavras em geral. Acho-os indispensáveis a quem tenha necessidade de escrever ou falar.

Mas como sou moralista tenho uma teoria, que é a seguinte: quando se usam palavrões, sem ser com o sentido concreto que têm, é como se estivéssemos a desinfectá-los, a torná-los decentes, a recuperá-los para o convívio familiar e quando um palavrão é usado literalmente é repugnante.

Dizer que “a sanita está entupida de merda.” ou “tenho uma verruga na ponta do caralho” é inadmissível. No entanto, dizer que um filme “é uma merda” ou que “comprar uma casa em Massamá não lembra ao caralho”, não mete nojo a ninguém.

Cada vez que um palavrão é utilizado fora do seu contexto concreto e significado, é como se fosse reabilitado. Dar nova vida aos palavrões, libertando-os dos constrangimentos estritamente sexuais ou orgânicos que os sufocam, é simplesmente um exercício de libertação.

Quando uma esferográfica pode ser “puta” – não escreve – desagrava-se a mulher que se prostitui.
Quando um exame de Direito Administrativo é fodido, há alguém, algures, deitado numa cama, que escusa de se foder.

Em Portugal é muito raro usarem-se os palavrões literalmente. É saudável. Entre amigos, a exortação “Não sejas cona”, significando “Despacha-te! Não percas tempo a decidir!”, nada tem a ver com a cona em si, palavra bastante feia, que se evita a todo o custo nas conversas do dia-a-dia.

Ao separar os palavrões dos seus significados libertam-se! O verbo “foder”, por exemplo, fora da cama quase nunca se usa para dizer “fornicar”. Quando se conta uma aventura, e caso se queira ser ordinário, diz-se “fiz” ou “papei” ou “comi”.

Geralmente, “foder” significa “estragar”, “prejudicar” ou “fazer mal”. Quando o Sr. Marques da contabilidade diz que “fodeu” o Sr. Sousa do contencioso, refere-se apenas a um acerto de contas entre eles. Pessoalmente, somente gosto da utilização “é fodido”. Quando tem o sentido de “triste sorte a minha”.

Por exemplo, quando não se encontra uma peça sobressalente para a mota, ou se não se acerta no TotoLoto por um único número, ou se vê que alguém nos passa a frente numa promoção só porque conhece o patrão, diz-se “é fodido”. Qual é o sujeito? Deveria ser a vida, mas nesse caso dir-se-ia “é fodida”. Na minha opinião, a frase subentendida é algo como “é fodido um gajo andar para aí a tentar safar-se e ver que não tem sorte nenhuma”.

Do mesmo modo, quando dizemos “foda-se”, é raro que a entidade que nos provou a intercação seja passível de ser sexualmente assaltada. Quando nos queimamos no ferro de engomar, ou quando temos visitas em casa e se acaba o whiskey, não existe, ao dizer-se tranquilamente “foda-se”, qualquer intenção de mandar fornicar o ferro ou a garrafa.

Quando o verbo é usado com o sentido que tem, eu acho indelicado e grosseiro, até porque fornicar ou ser fornicado não são coisas assim tão más quanto isso. Sendo aceite que o sexo é divertido, não se percebe como é que “vai-te foder” exprima um desejo antipático. Eu acho muito mais ofensivo “vai pentear macacos” ou “vai dar uma volta ao bilhar grande!”.

Os palavrões supostamente menos pesados, como “chiça” e “porra”, escandalizam. São violentos. Enquanto um pai, ao não conseguir montar um avião da Lego para o filho, pode suspirar após três quartos de hora, “ai o caralho”, sem que daí venha grande mal à família, um “chiça”, sibilino e cheio, pode instalar o terror.

E quando o mesmo pai, recém-chegado do Ikea, ou do Aki, perde uma peça para a armação do estendal de roupa e se põe, de rabo para o ar, a perguntar “onde é que se meteu a puta da porca?”, está a dignificar tanto as putas, como as porcas, como as que acumulam as duas qualidades.

Se há palavras realmente repugnantes são as decentes como “vagina”, “prepúcio”, “glande”, “vulva” e “escroto”. São palavrões precisamente porque são tão inequívocos.

Para dizer que uma localidade fica fora de mão, não se pode dizer que “fica na vagina da mãe” ou no “ânus de Judas”. Todas as palavras eruditas soam mais porcas e dão menos jeito. Quem se atreve a propor expressões latinas como “fellatio” ou “cunnilingus”? Tira a vontade a qualquer um.

Da mesma maneira, “masturbação” é pesado e maçudo, prestando-se pouco ao diálogo, enquanto o equivalente popular “punheta”, com a ressonância inocente que tem de uma treta que se faz com o punho, é agradavelmente infantil.

O sexo… O sexo como a vida deveria ser o mais simples e amigável possível. Misturar as duas coisas através dos palavrões parece-me muito saudável. Deixá-los fechados debaixo dos lençóis e atrás das portas é condená-los a uma existência bafienta que não merecem.

Por que é que uma prostituta não há-de dizer “puta de vida!” sem se ofender a si mesma? Os palavrões são palavras multifacetadas, muito mais prestáveis e jeitosas do que parecem. É preciso usá-los, para que não se tornem obscenos e propagá-los, para que deixem de ser chocantes.

É pior falar mau português do que falar mal em bom português!

Quem anda para aí a foder a língua não são os que dizem “foda-se” de vez em quando. São os que dizem “acabou de terminar…” e “eventualmente estão assegurados…”.

Se não usarmos os palavrões, livre e inocentemente, eles tornar-se-ão em meras obscenidades. E para obscenidade já basta a vida em si.


FONTE:   João Oliveira

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