01/08/2021

JOANA MORTÁGUA

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Já se sentiu espiado 

pelo seu telemóvel? 

Parece contraditório que sociedades que tanto prezam o segredo bancário e profissional, facilmente concebam a transformação de informações pessoais e políticas em produtos comerciais. A contradição é apenas aparente, já que tudo é, afinal, um negócio ao serviço dos grandes poderes.

Pegasus. Assim se chama o software de espionagem mais invasivo do Mundo, utilizado por serviços secretos de vários países para vigiar jornalistas, organizações não governamentais, académicos, líderes religiosos e membros de governos. Ao todo, segundo a investigação divulgada pelo jornal "The Guardian", em que participou também a Amnistia Internacional, são mais de 50 000 entidades vigiadas, muitas de forma ilegal.

O método é assustadoramente simples. O Pegasus entra nos telemóveis como um vírus, passando a ter acesso a todos os movimentos do seu utilizador, a todas as horas. E não é pouco o que um telemóvel pode contar, se pensarmos no poder deste software para gravar chamadas telefónicas ou conversas tidas ao alcance do microfone do aparelho, para usar a câmara e aceder às fotografias, mas também e-mails, mensagens ou pesquisas de Internet.

Na origem do dispositivo está a israelita NSO, uma das muitas startups que, sob a capa de "combate ao terrorismo", desenvolvem os mais sofisticados dispositivos securitários. Não é por acaso que Israel, um dos estados mais militarizados do Mundo, que promove uma violenta perseguição ao povo palestiniano, acolheu muitas destas empresas. Não são novas as denúncias de obtenção ilegal de informações pessoais junto de palestinianos, que depois eram utilizadas em todo o tipo de chantagens e ameaças destinadas a desestabilizar os territórios ocupados.

Sobre a desculpa esfarrapada desta empresa milionária, que diz servir o combate ao terrorismo, a Amnistia Internacional responde que a "NSO Group não pode continuar a garantir que os seus produtos só são utilizados contra delinquentes quando mais de 3500 ativistas, jornalistas, opositores políticos, políticos estrangeiros e diplomatas têm sido selecionados... não há dúvida de que o seu software espião é utilizado para exercer repressão à escala mundial: as provas são irrefutáveis".

Mas a Amnistia vai mais longe, ao denunciar a existência de um mercado de ciberespionagem fora de controlo, que opera à margem da legalidade, em violação grotesca de direitos fundamentais, ao serviço de estados, serviços secretos e, quem sabe, até de empresas privadas.

Em Portugal, a utilização destes mecanismos é proibida. O que não impede que existam portugueses espiados pela NSO. E isto sem falar, é claro, naquela sensação estranha ao vermos no telemóvel um anúncio a um produto que já tínhamos referido em conversa...

Parece contraditório que sociedades que tanto prezam o segredo bancário e profissional, facilmente concebam a transformação de informações pessoais e políticas em produtos comerciais. A contradição é apenas aparente, já que tudo é, afinal, um negócio ao serviço dos grandes poderes.

 * Deputada à A.R. pelo Bloco de Esquerda

 IN "JORNAL DE NOTÍCIAS" 27/07/21

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