18/04/2021

RUI PATRÍCIO

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Obrigadooo!

 (Amália Rodrigues e 

a "Operação Marquês")

Passou uma semana sobre a decisão instrutória do processo conhecido como “Operação Marquês”, e cada minuto decorrido obriga-me a estar grato.

Quem me dera – pudera eu, oh deuses – conseguir dizer “obrigado, obrigado, obrigado” daquele modo verdadeiramente grato e profundamente afetuoso que Amália Rodrigues usava. Os meus concidadãos mereciam, e muito. Passou uma semana sobre a decisão instrutória do processo conhecido como “Operação Marquês”, e cada minuto decorrido obriga-me a estar grato. Sim, este texto é sobre a “Operação Marquês”, processo no qual sou defensor, mas não se incomodem nem se sobressaltem os puristas da deontologia, que eu não vou falar sobre o processo. Se fosse, seria caso para indignação – aquela que alguns desses puristas não experimentam quando tutti quanti, incluindo responsáveis da Ordem, falam e peroram sobre os processos dos outros –, mas não vou, fiquem tranquilos; até porque, se fosse, podia causar alarme social, na medida em que podia porventura causar dúvidas (passe a imodéstia e, também, a esperança, talvez vã) sobre algumas certezas que quem pouco ou nada sabe acerca do processo já aventou por aqui e por ali.

Voltemos à gratidão, que é o tema do texto, e virtude que devemos cultivar. Dizia eu que a semana que passou me ofereceu em cada minuto motivo para obrigado. É verdade. Digerir mais de seis mil páginas de decisão instrutória é obra, pelo menos para mim, pois, apesar de conhecer bem o processo e de nele estar já há uns anos, sou tão lento e desprovido de faculdades cognitivas e de juízo que ainda não acabei de ler, muito menos de digerir capazmente. Mas desde dia 9 de abril ao fim da tarde que já sei o que lá está e não está, e como é e não é, porque já ouvi, vi e li tudo e mais alguma coisa explicado por variadíssimas pessoas – juristas e não juristas, advogados, procuradores, jornalistas, comentadores, taxistas, cantores, humoristas, camionistas, taxidermistas e outros especialistas disto e daquilo, et cetera e tal. Um mar de gente, tão heterogénea, entusiasmada e afetuosa quanto aquele público ao qual Amália Rodrigues, abrindo os braços o oferecendo o coração, dizia “obrigado, obrigado, obrigadooo”. Uma verdadeira bancada, repleta de “treinadores”, uns gritando vivas, outros mata e esfola, mas a maior parte já profundamente ilustrada (além dos temas políticos, sociais, etc., que são coisa diversa) sobre os meandros jurídicos do caso.

Eu vou continuar a ler e a digerir, mas por redundância, porque já sei tudo por interpostas pessoas, mesmo que sejam coisas tão complexas quanto a relação entre a fraude fiscal e a proibição de autoincriminação, a sucessão de leis penais no tempo, a relação entre branqueamento e pagamento do suborno, a contagem dos prazos prescricionais, a competência internacional, a reserva de juiz no inquérito, os critérios de uso e validade da prova indireta, entre muito mais, para já não falar nessa coisa simples e rápida que é analisar prova de quatro anos de inquérito e dois de instrução, tudo uma coisa que se faz num abrir e fechar de olhos, óbvio. Eu não consigo, pena minha, mas ainda bem que há quem consiga. Logo no dia 9 à tarde e à noite, ainda estava eu – vejam lá – a tentar descarregar no computador a decisão gravada em CD, e já estava tudo explicado, e até mesmo um projeto de acórdão da Relação quase elaborado. Abro os braços, e digo, “obrigadooo”. E bem-hajam. Burro sou eu. E não é pouco, pelos vistos. Mas grato.

* Advogado e interveniente no processo da "OPERAÇÃO MARQUÊS"

IN "i" - 16/04/21

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