Enquanto político,
Marcelo é uma fraude
Os grandes e verdadeiros líderes revelam-se nos momentos de aflição, de aperto e de medo. Não no verão a andar em tronco nu pelas praias do país quando todos estamos de férias e descansadinhos da vida; não a dar beijinhos e abraços a toda a gente numa enjoativa forma de exercer a política; não a tirar selfies em todo e qualquer momento, porque qualquer dia só falta o Presidente ir à casa de banho e fotografar o papel higiénico a que se limpa
Julgo que ninguém põe em causa que Marcelo Rebelo de Sousa seja um
homem educado e que seja, na maioria das vezes, um homem genuinamente
simpático e polido. Eu, pelo menos, não ponho isso em causa, embora
saiba que há ali também muito teatro.
Acontece que os portugueses não votaram em Marcelo Rebelo de Sousa
para ser qualquer uma destas coisas. Votaram para que fosse Presidente
da República Portuguesa. Um Presidente da República forte, capaz, sério,
empenhado, proativo, interventivo, contundente, claro, corajoso e por
aí fora, numa lista de características que se exigem a quem manda. Mas
aqui começam os problemas.
Marcelo Rebelo de Sousa é politicamente, repito, politicamente, uma
fraude. Uma fraude. (Pese embora eu próprio nele tenha votado para a
Presidência, o que, na verdade, ainda me legitima mais a escrever o que
escrevo.) Toda a postura de Marcelo Rebelo de Sousa quanto à covid-19
foi verdadeiramente inaceitável e ridícula. Diria mesmo inenarrável. Um
líder, um verdadeiro líder, não pode abandonar o povo e enclausurar-se
no seu castelo de cristal como fez Marcelo. Perguntar-me-ão: mas não é
normal o Presidente ter medo do coronavírus? Claro que é. Eu também
tenho. Por mim, pela minha família, pelos meus amigos, por todos nós.
Perguntar-me-ão ainda: mas o Presidente não deveria ter ido fazer o
teste? Obviamente que devia.
No entanto, se me perguntarem: mas que querias que ele fizesse? Que
não fizesse quarentena e viesse para o terreno acompanhar a situação
mesmo que a sua solução dele não dependesse? E, aqui, a minha resposta é
obviamente que sim, sobretudo quando autoimposta. Marcelo, desculpem-me
o termo, por muito borrado que estivesse (e esteve, e está), deveria
ter vindo para o terreno.
Os grandes e verdadeiros líderes revelam-se nos momentos de aflição,
de aperto e de medo. Não no verão a andar em tronco nu pelas praias do
país quando todos estamos de férias e descansadinhos da vida; não a dar
beijinhos e abraços a toda a gente numa enjoativa forma de exercer a
política; não a tirar selfies em todo e qualquer momento, porque
qualquer dia só falta o Presidente ir à casa de banho e fotografar o
papel higiénico a que se limpa. Muito menos a ligar aos apresentadores
de televisão porque, veja-se bem a importância do momento, começam um
programa novo. Não fosse já tudo isto uma miséria, eis que Marcelo
contacta com o país via Skype ou sei lá o que era aquilo. Uma bizarria
sem igual. Uma total falta de noção do que significa ser Presidente da
República.
Marcelo Rebelo de Sousa falou ao país como poderia ter falado aos
seus netos. Ora, as coisas são bem distintas. Portugal não queria ouvir
um avozinho quase choroso. Portugal queria ouvir o seu Presidente.
Queria ouvir quem, como seu representante maior, aparecesse forte,
coeso, duro e determinado na vitória sobre os problemas. Mesmo que essa
determinação fosse fabricada. Mas era o que os portugueses ansiavam
ouvir. Por fim, chegámos ao decreto do estado de emergência, e verifico
que Marcelo Rebelo de Sousa nem num documento escrito os conseguiu ter
no sítio para definir no concreto o que mudava desde esse momento em
diante.
Basicamente, escreveu um decreto sempre assente no “pode-se” ou “pode
ser”. Ora, o que daqui resulta é que o texto dá para tudo e para coisa
nenhuma, na medida em que Marcelo, uma vez mais, se descartou de toda e
qualquer postura, ação ou decisão que permitisse aferir, agora ou mais
tarde, da sua dimensão e responsabilidade política. Empurrou para Costa,
legitimou-o politicamente a poder ir mais longe, mas fugiu novamente ao
que todos esperávamos dele. E não venha agora dizer, como disse na
comunicação oficial ao país, que mais vale tarde que nunca. Marcelo
chegou, quanto a mim, ao seu fim político, pois enquanto tal, repito,
enquanto tal, revelou-se o pior Presidente da República Portuguesa de
que há memória. Fraco, medroso, cobarde, fútil, básico, incapaz,
impreparado, confuso, enfim, uma fraude.
IN "i"
20/03/20
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