06/03/2020

PEDRO BACELAR DE VASCONCELOS

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À margem do coronavírus...

1. A edição on-line do "The New York Times" de segunda-feira anunciava que um grupo de ativistas chineses criou um arquivo digital para, em nome da liberdade de expressão, preservar os vídeos e notícias sobre a nova epidemia de gripe alegadamente censurados pelo Governo.

Noutras paragens, em nome da economia de mercado, meios de comunicação e redes sociais rivalizam pela primazia na divulgação de cada novo caso de morte, contágio ou até de mera suspeita de infeção... Em resumo, a exploração do medo parece não conhecer fronteiras físicas, políticas ou ideológicas. E assim escasseia o tempo e o espaço para informar, debater, refletir e atuar sobre outras emergências que não prometam, de momento, apaixonar as audiências.
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2. É extremamente injusta e hipócrita a indignação contra a Grécia e a Turquia pelo tratamento desumano dos imigrantes e refugiados que, acossados pelas guerras no Médio Oriente e pela indiferença dos estados da União Europeia, tentam a qualquer custo atravessar a fronteira entre os dois países. É inadiável uma resposta da Europa, eficaz e solidária.
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3. É grave a situação vivida na Guiné-Bissau, onde a controvérsia quanto ao resultado do escrutínio das eleições presidenciais ofereceu pretexto à ocupação militar das sedes dos órgãos de soberania. Deste modo, continua a faltar o esclarecimento das dúvidas alegadas, e, bem pelo contrário, consolida-se o conflito entre pretensões inconciliáveis de legitimidade democrática que fragilizam cada vez mais as expectativas de estabilidade governativa de que o país urgentemente carece.
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4. Em Timor-Leste, persiste um impasse político que dura há mais de dois anos. Várias pastas ministeriais nunca chegaram a ser preenchidas porque o presidente recusou a nomeação dos titulares propostos pelo primeiro-ministro e o Governo recusou a sua substituição. Sem Orçamento, devido à sua rejeição no Parlamento Nacional, o Governo está demissionário. Entretanto, uma coligação partidária negociada por Xanana Gusmão garante a maioria parlamentar indispensável à formação de um novo Governo. Porém, o chefe de Estado assiste impassível à contínua degradação das instituições públicas e dos projetos de desenvolvimento de uma democracia que ainda ensaia os seus primeiros passos.
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5. E falemos, por fim, da esperança que renasce na Catalunha, com a abertura do diálogo, que se deseja promissor, entre Pedro Sanchez, primeiro-ministro de Espanha, e Quim Torra, presidente do Governo da comunidade autónoma catalã. As pesadas penas de prisão aplicadas aos promotores do referendo e a severa repressão que o acompanhou são incompatíveis com o quadro de convivência democrática por que a Espanha enveredou na era pós-franquista.

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
05/03/20

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