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HOJE NO
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
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No mercado que abastece Lisboa, "não há desinfetante e todos entram ao molho"
Os comerciantes recebem centenas de pessoas por dia, comerciantes sobretudo da zona de Lisboa. Mas não há um plano de contingência conhecido para o covid-19. E agora que o açambarcamento passou, já há no MARL quem pense em fechar as bancas, por segurança.
Um pé no chão, outro assente no prato de uma imponente e antiga balança,
cotovelo esquerdo adormecido sobre o joelho mais alto e um olhar
enfadado. Os dias já foram mais felizes para António Sequeira,
55 anos, comerciante de pelo menos duas décadas no MARL, o Mercado
Abastecedor da Região de Lisboa (MARL). Faz-se rodear de
dezenas de caixas de cartão de laranjas, num dos vestíbulos de um
pavilhão. O negócio não está famoso, e de certeza muitas das laranjas
vão ficar por vender. Por aqui só se fala no vírus, sobre o qual se sabe
tão pouco - "olhe, como as laranjas", cuja verdadeira origem no mundo
ainda gera controvérsia -, ameaça que não o impede de continuar a
trabalhar.
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Tem sido assim: aqui, neste mercado de onde partem todos os
hortícolas das lojas que abastecem os lisboetas de quarentena, sente-se
tudo o que acontece na cidade. Como uma correia de transmissão
fundamental para a economia. Aqui vende-se o que na cidade as pessoas
açambarcam. Foi o que aconteceu no início da semana passada, enquanto
Portugal ultrapassava as primeiras centenas de casos confirmados de
covid-19, a possibilidade de ser decretado Estado de Emergência já era
tema de discussão nas ruas, abria capas de jornal e era arranque de
telejornais, e era preciso pedir contenção nos supermercados, já com prateleiras devastadas.
Chegava-nos
o testemunho internacional, de países como Itália, China e Austrália,
onde grandes superfícies foram monopolizadas por enchentes, receosas
pelo tempo que o isolamento demoraria e, por isso, levando consigo tanto
quanto podiam. E então, o MARL decidiu então alargar o horário de venda nos vários setores - para albergar as enchentes. De
portas abertas desde 2000, o mercado regista mais de um milhão de
visitantes e é o principal centro de abastecimento de produtos
agroalimentares da região, depois de tomar o papel do velho Mercado de
Entrecampos.
A apenas alguns metros de António, Marisa, comerciante de 35 anos, diz alto o que todos comentam: "No início da semana e até quarta-feira, houve muita, mas mesmo muita gente por aqui".
Desde que tem idade para trabalhar que Marisa ajuda os pais neste
negócio de revenda de alimentos. Na sua banca, há leguminosas, alhos,
cebolas, azeitonas de todas as cores e origens. Não só a semana começou
com muitos outros comerciantes que correram desenfreadamente à procura
dos seus produtos, como todos "levaram em muito maior quantidade". Mas depois de anunciado o Estado de Emergência em Portugal,
os dias correm "mais calmos do que o habitual" nos corredores do
mercado. As pessoas estão em casa, por um lado, e por outro, ainda têm
as despensas cheias.
No final da semana, as bancas do MARL também permaneciam cheias por
mais tempo: na quinta-feira passada, a agricultora Isabel, 56 anos,
abandonou o dia no mercado "com tantas alfaces quanto aquelas que chegaram". Todos
os dias, desde que o MARL abriu, Isabel posiciona-se neste mesmo local
com pouco mais de seis metros quadrados - pelo qual paga uma renda perto
de 900 euros mensais -, para vender as alfaces que cultiva na Tourinha,
em Mafra.
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Pelos corredores, vai-se suspirando e dizendo em voz baixa o que não é tabu
mas causa dor. "Isto está mau", ouve-se repetidamente. Ao lado da banca
de Isabel, o dono de uma mercearia, a passo apressado, faz conversa
rápida com uma outra produtora: "Isto está terrível, vai ser terrível".
O homem, que não se quis identificar, comentava a fila de 30 pessoas
que a sua mercearia somou naquela manhã de sexta-feira. "Mas não é bom,
as pessoas desistem logo de esperar e acabamos é sem clientes nenhuns.
Quem é que quer esperar?"
As grandes superfícies foi quem ganhou
mais, desde logo o alvoroço das primeiras horas, com prateleiras vazias
aglomerados de pessoas a correr para as suas prateleiras ou sites de compra online - entupindo as páginas e elevando para dias o prazo de entrega ao domicílio. Para
trás, ficaram as pequenas mercearias, "tirando aquelas de bairro que
fornecem os clientes habituais ou estão auxiliadas pelas juntas de
freguesia", diz a presidente da União de Associações do
Comércio e Serviços (UACS), Maria de Lurdes Fonseca. Mesmo esses
clientes de bairro estarão agora longe da rua, dependendo da idade.
Para aliviar algum do prejuízo, a própria União estabeleceu "um
protocolo com o Autocoop [Cooperativa de Táxis de Lisboa], que leva as
compras às pessoas, mediante uma taxa fixa, o que pode ajudar sobretudo
estes comerciantes mais pequenos". Mas a presidente alerta: "sabemos que
são medidas que podem ir mitigando, não resolvem".
Nem o aumento altivo dos preços compensa. Para "o dobro", reclama o
casal João e Gabriela, na casa dos 60, que compram fruta e legumes
diversos no MARL para vender numa praça em Alhandra, Vila Franca de
Xira. Sendo "contra levar tudo de uma vez", criticam ainda mais "o
aumento dos preços". "Couves-flor a seis euros agora estão a 12 ou até a 20", reitera João.
A escalada não demorou nem uma semana para acontecer. "O dobro" e "as pessoas nem querem saber do preço quando cá chegam", confirma o comerciante Pedro Perdigão. Tirando determinado tipo de frutas "que não teve grande significado em termos de venda, tudo aumentou e só durante esta semana, é a lei da oferta e da procura", remata.
A escalada não demorou nem uma semana para acontecer. "O dobro" e "as pessoas nem querem saber do preço quando cá chegam", confirma o comerciante Pedro Perdigão. Tirando determinado tipo de frutas "que não teve grande significado em termos de venda, tudo aumentou e só durante esta semana, é a lei da oferta e da procura", remata.
Tudo "ao molho" e sem proteção
Apesar da crise, as pessoas continuam a entrar às dezenas
pelo MARL dentro, e isso torna o mercado numa espécie de bomba relógio
de contactos. Marisa não baixa a máscara que lhe tapa
parcialmente o rosto, usa luvas para mexer nos alimentos e mede bem
todas as distâncias dos clientes. Ainda assim, "não chega" para proteger
todos.
Num outro pavilhão de venda, Isabel, a produtora das
alfaces, repete a vestimenta: apresenta-se de avental, máscara cirúrgica
no rosto e luvas nas mãos. Aos 56 anos, o medo manda mais do que o
negócio - que, aliás, já pensa suspender para garantir que está em
segurança. Fala de "coração nas mãos": a sua preocupação maior é a
filha, enfermeira no Hospital de Vila Franca de Xira, "onde já houve
casos positivos". E vice-versa: "Tem ligado, a pedir-me para ter
muito cuidado, que isto é muito grave. 'Mãe, põe luvas. Mãe, lava as
mãos. Mãe, faz isto, faz aquilo"".
"Nunca vi nada assim", desabafa Isabel. O medo pede cuidados.
"Comprei máscaras a um senhor que aí anda a vendê-las a cinco euros
cada, comprei luvas e cá ando", conta. Ao lado da máquina de calcular
antiga que guarda na sua banca improvisada, tem uma pequena embalagem de
álcool, à qual vai recorrendo frequentemente, entre palavras.
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Mas Isabel receia que estas medidas sejam insuficientes face à falta daquelas que deveriam ser aplicadas no mercado. "Não há onde lavar as mãos, não nos dão desinfetante e todos entram ao molho cá dentro", diz, apontando o olhar para a imensidão que vai entrando no pavilhão, sem qualquer controlo. Mexem,
remexem na fruta, nos legumes, carregam as caixas e sacos para os
porta-paletes elétricos, que conduzem com as mãos corredor fora,
corredor dentro.
"Mas também não são as luvas e a máscara que nos vão proteger",
alerta Pedro Perdigão, a um pavilhão de distância. Há cerca de 20 anos,
assumiu o negócio de revenda de frutas e legumes do pai, agora dedicado
ao fado nas casas de Lisboa. Pedro, 44 anos, não vai em cantorias.
"Pouco se pode fazer, é quase impossível controlar as dezenas de portas
de entrada para os pavilhões". A solução, diz, passa por fechar o
negócio temporariamente, uma ideia que se vai cimentando na sua cabeça a
cada dia que o número de infetados por covid-19 aumenta em Portugal.
"Já
pensamos em fechar, já", admite também Isabel, olhando para a vizinha,
Paula, produtora de frutas de 50 anos. Mas "continua a ser preciso
alimentar as pessoas", acrescenta. Isso vem, aliás, especificado no
regulamento do Estado de Emergência. Para já, o sentido de missão,
aliado ao medo de ver uma produção parada e sem sítio para onde escoar,
fazem-na manter-se no mercado, todos os dias, das 15:30 às 21:00.
O DN tentou contactar a administração do MARL, para saber qual o
plano de contingência que estariam a aplicar, mas até à hora da
publicação deste trabalho não obteve qualquer resposta. Tudo "ao molho" e
sem proteção
* Não se peça à fiscalização que chegue a todo o lado, é impossível, o que também não é possível é que haja administrações que não estabeleçam planos de contingência, é bem mais criminoso do que um cidadão sair à rua por imprudência.
O que se passa no MARL é um crime de saúde pública.
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