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* Jornalista em Berlim
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
20/02/20
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O ressurgimento mortal
do terror de direita
na Alemanha
Os atentados de quarta-feira, que tiveram o triste saldo de nove
mortos, são um lembrete devastador da força que o terror de
extrema-direita ainda tem na Alemanha.
Depois do ataque contra
nove pessoas em Hanau, na Alemanha, o alegado assassino voltou para casa
onde terá também assassinado a sua mãe e depois cometido suicídio.
Antes, como já começa a ser hábito, tinha produzido um manifesto de 24
páginas. O professor Peter Neumann, do King's College, um dos mais
reconhecidos especialistas europeus em radicalização, teve acesso ao
texto e partilhou a sua análise no Twitter,
com conclusões interessantes. Há toda uma série de semelhanças que
ligam o seu perfil ao de outros terroristas de extrema-direita: movidos
por teorias conspiratórias, com um ódio profundo por estrangeiros e
"não-brancos" (ele apelou ao extermínio de vários países do norte da
África, do Médio Oriente e da Ásia Central), bem como um complexo de
superioridade devido à crença em teorias eugénicas. Além disso, parecia
ser consumido pela paranoia - reclamando estar sob vigilância dos
serviços secretos durante toda a sua vida.
Mas o que é mais
importante aqui é o padrão de ocorrências. A Alemanha continua a ser um
país que convive mal com a sua herança histórica e o ressurgimento da
extrema-direita nas urnas é sempre problemático. A imagem de Bernd Höcke
apertando a mão de Jürgen Kemmerich, do Partido Democrata Livre (FDP),
sacudiu a base da identidade nacional alemã do pós-guerra. Höcke, um
homem que os tribunais alemães decidiram que poderia ser legalmente
rotulado de fascista, um homem que afirmou que o "problema era que
Hitler era retratado como puramente maligno", um homem que usa a palavra
"Remigração", tal como o assassino de Christchurch.
Este crime
ocorreu poucos dias depois de doze membros de um grupo de
extrema-direita terem sido presos enquanto planeavam grandes ataques a
mesquitas, muçulmanos e políticos moderados. O objetivo deles era
mergulhar a ordem social no caos e impulsionar uma guerra racial.
E
ocorreu apenas alguns meses após o ataque a uma sinagoga em Halle, onde
a única coisa que impediu a morte de dezenas de judeus celebrando o Yom
Kippur foi uma porta de madeira reforçada.
E também apenas
alguns anos após um jovem radical de 18 anos com motivações raciais ter
matado nove e ferido 36 em Munique, na Alemanha. A polícia e o
Ministério Público levaram três anos para destacar os motivos de
extrema-direita do perpetrador, corrigindo as conclusões iniciais de
dois relatos que consideravam os atos apolíticos.
Vários relatórios e investigações oficiais destacam como os neonazis
e/ou simpatizantes, especialmente dentro do aparato de segurança da
Alemanha, começaram a organizar e coordenar seus esforços. Segundo
Christoph Gramm, o chefe do serviço da secreta militar alemã (MAD),
quinhentos e cinquenta soldados alemães suspeitos de terrorismo de
direita, estavam sob investigação. Uma reportagem do jornal alemão TAZ
em 2018 revelou a existência de uma rede de direita subterrânea bem
organizada e coordenada, com vínculos com as autoridades estatais. A
exceção tornou-se a norma. O Brauner Sumpf (tradução: "pântano
castanho", termo usado para descrever os neonazis devido à cor dos
uniformes da NSDAP no Terceiro Reich) começou a espalhar-se.
"O
racismo é veneno, o ódio é veneno, e este veneno existe em nossa
sociedade". Essas foram algumas das palavras finais de Merkel na sua
curta declaração de hoje sobre o crime.
O sentimento faz sentido,
mas talvez a comparação não seja exata. O veneno não é contagioso e não
se adapta a ambientes em mudança - ao contrário do vírus que é o terror
de direita da Alemanha.
* Jornalista em Berlim
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
20/02/20
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