09/02/2020

ANTÓNIO CLUNY

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O mundo de hoje: 
um lugar confuso 
e perigoso

Como em “1984”, de George Orwell, tudo resulta numa agitação e preocupação permanentes que servem, não apenas, para entreter os espíritos, como, por essa via, também, para escamotear uma realidade subjacente que, essa sim, permanece opaca, até porque sólida e verdadeiramente real e muito pouco mutável, como convém aos que nela se instalaram e dela beneficiam.

O mundo atual tem-se convertido, rapidamente, num lugar confuso e até perigoso para os cidadãos que pretendam ter um empenho cívico ativo e uma leitura crítica da vida politica, económica e social.

Verdadeiramente, o mundo atual tem-se convertido num lugar confuso e perigoso para toda a gente.

Os heróis de ontem são os vilões de hoje.

Os amigos que se fazem - e se desfazem - devem estar sempre sob escrutínio, pois nunca se sabe o que lhes pode vir a ser assacado e, por consequência, a nós também.

O que é crime em dada circunstância é, numa outra, considerado uma ação louvável e benéfica para o bem comum.

O que nos ofendia ontem, como violação abjeta da nossa privacidade, é hoje, ou pode vir a ser aceite amanhã, como uma prática saudável e, até, um comportamento socialmente recomendável.

Os que, de manhã, apontam o dedo a uns e os invetivam com veemência, baixam a guarda e logo elogiam outros que, pela tarde, noutra parte do mundo, mesmo que com o idêntico fim, fizeram igual.
Diferentemente do que acontecia em “1984”, de George Orwell, tudo isto acontece, agora, sem um comando único, sem, aparentemente, um propósito definido.

Diferentemente do que acontecia em “1984”, de George Orwell, nada disto se passa num plano de uma orquestrada fantasia criada, especificamente, para obnubilar a realidade.

Tudo isto é hoje a realidade e tudo se passa, não por via de uma mensagem radiofónica central e continuamente difundida, mas no palco da pluralidade da vida verdadeira, com simultâneos que acrescentam realidade à realidade e com comentários, na hora, para integrar, desde logo, o nosso pensamento.

O mundo é hoje assim mesmo e insistir na procura do que são, ou não, as fake news que lhe dão cara é trabalho despiciendo, pois tudo elas são e não são, ao mesmo tempo, ou em momentos sucessivos, fake news.

A verdade é que, como em “1984”, de George Orwell, tudo resulta numa agitação e preocupação permanentes que, não apenas servem para entreter os espíritos, como, por essa via, também, para escamotear uma realidade subjacente que, essa sim, permanece opaca, até porque sólida, verdadeiramente real e muito pouco mutável, como convém, aliás, aos que nela se instalaram e dela beneficiam.

É por essa razão que, por mais pacotes legislativos e medidas que se inventem e entrem em vigor contra a corrupção, a sensação da sua permanência e crescimento – e, agora, tal sensação é, ela própria, também, fruto desta realidade virtual – vale mais do que os factos e, sobretudo, do que as suas causas.

Mais importante, mais conveniente, portanto – muito mais conveniente -, do que desvendar a sua razão e, assim, tornar consciente e politicamente interventiva a cidadania, é queimar efígies, queimar declarações de direitos ou, no mínimo, reinterpretá-las para as descafeinar.

E, nesta tarefa, todos parecem alegre e acriticamente empenhados: ONG, políticos, juristas, jornalistas, comentadores de rádio, televisão, das redes informáticas e de café.

Sebastian Haffner, deu, há anos, em a “História de um Alemão”, um contributo inusual para a explicação da ascensão do nazismo: o vício do movimento, que o frenesi permanente da vida política e social na Alemanha de então provocara em muitas camadas sociais e, em simultâneo, a angústia, o medo e a saudade de normalidade que dele, também, resultava.

Muitas das causas do atual populismo podem ser explicadas do mesmo modo.

Os seus promotores, mais ou menos conscientes, mais ou menos inconscientes, agem, como então, em benefício de um sistema que favorece uns poucos – os quais, em teoria, dizem combater - mas cujas responsabilidades pela sua subsistência, na realidade, resguardam da vista e da crítica pública. 

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04/02/20

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