30/12/2019

RUTE PERDIGÃO

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Uma janela de oportunidade
 para a educação em Portugal

É preciso reconquistar sorrisos nos nossos profissionais do “terreno”, investindo mais e melhor na Educação, para termos professores motivados que impulsionem dinâmicas de sucesso em escolas com alunos felizes, seguros e satisfeitos.

Neste espaço temporal de dez anos, entre 2020 que se avizinha a um ritmo galopante e 2030 com a agenda para uma educação de qualidade, importa conceber um modelo integrado de atratividade, formação, seleção e carreira (acesso e progressão) docente para o futuro, em Portugal.

Esta conceção implica o devido enquadramento de indicadores que sustentem linhas de pensamento e de ação estratégicas e que revitalizem esta sociedade e profissão docente envelhecidas e consternadas por um outro tempo de promessas gastas.

A publicação Projeções de População Residente 2015-2080 (INE, 2014) reconhece o agravamento do envelhecimento e decréscimo demográficos, em Portugal. Num cenário central, a população reduzirá para menos de 10 milhões em 2031 e a população jovem ficará abaixo do limiar de 1,2 milhões já em 2030. Com esta baixa populacional registada e a queda do número de nados-vivos entre 2010 e 2014, e como indica o documento Estado da Educação 2018 do Conselho Nacional de Educação (CNE), haverá uma redução média anual do afluxo de novos alunos no sistema, realidade que não será contrariada antes de 2021.

Quanto ao envelhecimento dos docentes em Portugal, em 2017/2018, 46,9% dos docentes da educação pré-escolar e ensinos básico e secundário tinham 50 ou mais anos de idade e 1,3% tinham menos de 30 anos. Embora a média de anos de serviço dos docentes seja de 16,5 ou mais, a maioria ainda se encontra nos quatro primeiros escalões remuneratórios. Aliás, só 0,02% dos docentes estão no topo da carreira com média de 61,4 anos de idade e 39 anos de tempo de serviço (CNE, 2019). Nesta progressão “timidamente” iniciada, falta ainda recuperar cerca de seis anos e meio (6A 6M e 23D) de tempo de serviço na carreira. É preciso reconquistar sorrisos nos nossos profissionais do “terreno”, investindo mais e melhor na Educação, para termos professores motivados que impulsionem dinâmicas de sucesso em escolas com alunos felizes, seguros e satisfeitos.

Do acervo público para a reflexão pessoal, estaremos velhos e desmotivados para agir ou sem rumo para seguir? Será a profissão docente ainda almejada e respeitada pela sociedade, em geral? Que perfil de professor queremos para este ainda século XXI que se moderniza em “atropelos” de últimas inovações? Teremos consenso alargado para produzir forças contrárias à “condenação” da condição docente?

No estudo Regime de Seleção e Recrutamento do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário (CNE, 2019), é visível a pouca atratividade da profissão docente traduzida na diminuição de inscritos e diplomados em cursos de formação de professores que conferem habilitação profissional. Em estudos PISA anteriores, alertou-se para o facto dos melhores alunos não desejarem ser professores. Nos últimos anos, os cursos de formação de professores apresentam dos mais baixos valores médios de entrada no ensino superior.

E, se por um lado, são poucos e não os melhores alunos que querem ser professores, por outro são muitos os que não querem ficar nesta profissão e por vários motivos: falta de incentivos à profissão e valor social, precariedade, mobilidade excessiva e sem opção de estabilidade, idade avançada, desgaste gradual e cansaço acumulado, sonhos “roubados” e promessas não cumpridas na progressão, remuneração e chegada ao topo da carreira, entre outros.

A partir do modelo de previsão anual de aposentações de 2019 da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência considera-se a possibilidade de ocorrerem 17 830 aposentações até 2028, 24 343 nos cinco anos seguintes e 9810 entre 2029 e 2030. A maioria dos grupos considerados perderá mais de 50% dos docentes até 2030: Educação Tecnológica (96%), Economia e Contabilidade (86%), Português e Estudos Sociais/História (80%), Educação Pré-Escolar (73%), Filosofia (71%), História (68%), Português e Francês (67%), Geografia (66%) e Matemática e Ciências Naturais (62%).

Esta passível falta de professores em determinados grupos disciplinares e em certas regiões e escolas do país não é circunscrita a questões de interioridade, mas decorrente de lógicas de mercado e de leis de oferta e de procura. Por um lado, de notar escolas que se reinventam e dinamizam projetos educativos locais numa autonomia construída segundo a sua missão, por outro lado, escolas que apresentam falta de audácia e criatividade na hora de mudar e que têm apenas uma autonomia instituída, decretada, sem visão estratégica associada. De referir também a questão de alguns professores terem horários incompletos de apenas algumas horas com remuneração baixa e necessidade de deslocações sucessivas ou aluguer de casa, quarto ou cama, nos dias de hoje de grande especulação imobiliária.

O relatório A Carreira Docente na Europa: Acesso, Progressão e Apoios de 2018 da rede europeia Eurydice menciona a falta de planeamento prospetivo em Portugal e a oferta excedentária como o principal desafio. Defende “o ajustamento do sistema de Formação Inicial de Professores (FIP) a fim de evitar a formação de mais professores do que o necessário” e a exigência de reformas cuidadas e adequadas à necessidade de “atrair pessoas para a profissão docente e estabelecer sistemas eficazes de FIP e de recrutamento” (ver a página 23).

Será então tempo de apostar na construção de um modelo integrado docente para o futuro com avaliação de medidas e políticas públicas, no rejuvenescimento docente, na eliminação da precariedade na profissão, na seleção pelo mérito (formação, currículo: atividades, saberes e competências para o séc. XXI), na formação e qualificação dos educadores e professores que tanto fazem a diferença no ensino e levam Portugal a alcançar mais em avaliações externas internacionais. Em contagem decrescente para a janela aberta…

* Assessora técnico-científica do Conselho Nacional de Educação desde 2013. Doutorada em Ciências da Educação pela Universidade Nova de Lisboa e pelo ISPA.

IN "PÚBLICO"
27/12/19

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