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IN "PÚBLICO"
09/09/19
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Combater o extremismo?
Not working…
Não há dúvida de que a crítica do extremismo é absolutamente necessária. Mas sozinha é terrivelmente ineficaz, mais ainda quando aliada a uma descredibilização dos eleitores.
Estamos fartos de ouvir falar de populistas, mas temos de reconhecer:
é extraordinário como líderes de grandes países conseguem ser eleitos
tendo a quase totalidade dos media contra eles. A ideia de que para ter
um bom resultado eleitoral e ser popular é necessário cair nas boas
graças das televisões, até hoje dada como evidente, foi subitamente
desfeita em mil pedaços.
Resistindo à introspecção, jornalistas e políticos adoptaram uma
postura de resistência: não houve um só dia de tréguas na luta aberta
das televisões e jornais contra Trump, Bolsonaro ou LePen
e, no entanto, as probabilidades de voltarem a ser eleitos (ou terem
resultados eleitorais importantes) são elevadíssimas. A conclusão é
inevitável: a estratégia não está a resultar.
Um traço
característico do populismo é a vontade de encarnar a voz do povo. Se o
povo opta por um líder populista é geralmente porque não sente que a sua
voz é ouvida. E se não é ouvida é, certamente, porque não ecoa. Ora, os
media são o mais importante vector de comunicação entre o povo e as
elites e, como tal, a democracia vive em parte da sua capacidade em
virar os holofotes para as necessidades das populações, denunciar os
abusos e fiscalizar a capacidade representativa dos políticos. Mas os
media perderam o rasto à maioria insatisfeita. Tanto que não a viram
chegar. O facto de o Brexit
ou a eleição de Trump ter apanhado os jornalistas de surpresa é
precisamente prova desse enorme distanciamento. Ninguém esperava porque
ninguém escutava. E uma população que não é escutada vota em quem lhe dá
voz.
A solução seria quebrar o distanciamento, aproximar-se das
populações, ouvindo e compreendendo o eleitor descontente. Colmatar o
devastador défice de atenção, tirando o tapete aos líderes populistas
que deixariam de monopolizar a atenção dos desatendidos.
Mas não.
O que se seguiu não foi uma aproximação à população, mas sim um
ataque cerrado aos líderes eleitos. E quanto mais se critica, menos
ouvidos e compreendidos se sentem os eleitores e mais tendem a virar-se
para os extremos. Este é o círculo vicioso, alimentado pelo sentimento
de injustiça, as desigualdades e a cegueira mediática e política que
engorda o poder de um líder populista e o isola como única e falsa
expressão da voz de uma maioria.
Com um tiro no pé, o ataque fez-se também
directamente contra os eleitores. É natural que apenas uma parte dos
conteúdos chegue ao meu feed de notícias, filtrado e
customizado por aquilo que algum algoritmo sofisticado considera ser o
meu gosto básico. Mas o facto é que tudo o que vejo sobre estes
eleitores são vídeos de demonstrações racistas, entrevistas que procuram
ridicularizá-los ou cenas de violência. A oposição política não ajuda,
apressando-se a colar etiquetas de “racista”, “xenófobo” ou
“transfóbico” a qualquer um. Outros mitos se lançaram, como a ideia de
que quem vota em populistas é totalmente desprovido de inteligência e de
educação. Esta postura é prova da incapacidade de media e políticos em
reverter a situação e atender às populações. Não com aproximação, como
se pedia, mas com crítica.
E assim se divide um país.
Não há dúvida de que a crítica do extremismo é absolutamente
necessária. Mas sozinha é terrivelmente ineficaz, mais ainda quando
aliada a uma descredibilização dos eleitores. Só indo ao encontro destas
populações, compreendendo as suas necessidades e focando na origem dos
seus desafios podemos combater o extremismo. Este não é, por isso, um
tempo para a crítica cega e obsessiva. É um tempo para mudança de
estratégia. É tempo para ouvir.
* Consultor em estratégia, formado em Ciência Política pela Sciences Po
Paris. É membro do Health Parliament Portugal e do Fórum dos Cidadãos,
orador e comentador para temas de democracia participativa, acção cívica
e actualidade política.
IN "PÚBLICO"
09/09/19
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