HOJE NO
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS
Foi um procurador do MP quem decidiu manter salário a espião que traiu o país
Este foi um dos casos de "desvio de funções" que levou o Conselho de Fiscalização das secretas a recomendar um estatuto disciplinar "adequado" aos espiões.
Foi de um procurador do Ministério Público (MP) a decisão de manter o
salário a Frederico Carvalhão Gil, o oficial do Serviço de Informações
de Segurança (SIS) condenado por espionagem e corrupção, por vender
segredos à Rússia.
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Segundo uma fonte bem colocada no setor das
informações que tem conhecimento do processo, este magistrado foi
designado para coordenar o processo disciplinar contra este ex-espião do
SIS, que está em prisão domiciliária a cumprir os sete anos de prisão a
que foi condenado em fevereiro de 2018.
O procurador
entendeu que, até a decisão da sentença transitar em julgado, qualquer
penalização disciplinar, incluindo a perda de ordenado, deve ficar
suspensa.
Conforme o DN noticiou esta quarta-feira,
o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) nunca deixou de
pagar o vencimento, cerca de 2500 euros líquidos mensais, a Carvalhão
Gil.
A situação está a causar perplexidade, não só internamente
mas também noutros setores, como o da Administração Interna ou da
Justiça, que já viram altos funcionários ficarem sem salários, apenas
como arguidos, antes sequer da acusação e da condenação.
O DN questionou o gabinete da secretária-geral do SIRP, Graça Mira Gomes, sobre qual era a sustentação legal para esta decisão, tendo sido respondido que não iam "fazer comentários".
Confrontado,
no passado dia 7 de julho, pelo DN, com esta situação, o gabinete do
primeiro-ministro, que tutela o SIRP, pediu esclarecimentos ao gabinete
de Mira Gomes, não tendo sido ainda enviada resposta.
Conselho de Fiscalização atento ao caso, recomendou novas regras
Ao
que o DN, entretanto apurou, a forma como este caso foi conduzido em
matéria disciplinar levantou alguma celeuma sobre abordagens futuras em
situações desta natureza.
Ao ponto de a decisão do
magistrado, incompreensível para várias pessoas do setor, ter sido uma
das situações que levou o Conselho de Fiscalização do SIRP a recomendar
uma revisão dos regulamentos em matérias disciplinares, devidamente
adaptada às funções especiais que estão em causa.
"O
CFSIRP aponta como um aperfeiçoamento muito relevante que o regime
estatutário de todos quanto servem o SIRP não deixe de comportar a
previsão de um procedimento de natureza disciplinar adequado à natureza
do SIRP e da sua atuação. Procedimento esse que, a um tempo, permita,
com eficiência, eficácia e garantia dos direitos de defesa, quer apurar
todas as situações de responsabilidade disciplinar, quer preservar a
integridade do funcionamento dos Serviços de Informações", é escrito no
último relatório, relativo ao ano de 2018, do organismo que fiscaliza a
atividade das secretas.
O Conselho defende a "criação normativa de
condições estatutárias adequadas aos Serviços de Informações para a
aferição das responsabilidades disciplinares e nunca perdendo de vista,
dada a natureza particular da sua atuação, as especiais exigências de
garantia da inexistência de desvio de funções".
Frederico Carvalhão Gil foi detido a 21 de maio de 2016 em Roma, numa operação hollywoodesca das
autoridades italianas e portuguesas, juntamente com o seu controlador
das secretas russas, extraditado para Portugal e detido pela Polícia
Judiciária (PJ).
Esteve em prisão preventiva, em sua
casa, até ao julgamento e condenado em fevereiro de 2018 a sete anos e
quatro meses de prisão, mantendo-se na sua residência com pulseira
eletrónica. Em maio deste ano, o Tribunal de Relação confirmou a sentença da primeira instância.
Durante todo este tempo, apesar de estar suspenso de funções, continuou a
receber o seu ordenado todos os meses. Carvalhão Gil entrou para o SIS
em 1987 e na altura da sua detenção estava no topo da carreira como
oficial de informações.
Arguidos do caso "Vistos Gold"ficaram sem salários
Este princípio de manutenção do vencimento, não foi, no
entanto, válido noutros casos judiciais que envolveram altos quadros do
Estado e perderam mesmo o salário ainda arguidos, acusados e antes do
julgamento.
Cortar os ordenados foi o entendimento de
outros serviços e tutelas (no caso os ministérios da Administração
Interna e da Justiça), invocando a Lei Geral do Trabalho em Funções
Públicas, segundo a qual a suspensão da remuneração acontece sempre que,
a partir dos 30 dias, as faltas do funcionário não possam ser
justificadas pelos motivos previstos na lei. Faltar porque se está
detido não está incluído na lista.
Exemplo disso foram, na Operação Labirinto - processo que ficou conhecido como o dos "Vistos Gold"
- os casos, pelo menos, do ex-presidente do Instituto de Registos e
Notariado António Figueiredo e o ex-diretor do Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras (SEF) Manuel Palos.
Figueiredo foi detido a
13 de novembro de 2014 (tal como Palos) e, segundo o Ministério da
Justiça confirmou ao DN, "cessou a sua comissão de serviço a 18 de
novembro, tendo em virtude da cessação do vínculo público deixado de
auferir o respetivo vencimento".
António Figueiredo foi acusado de
12 crimes e acabou por ser condenado, em janeiro passado, a quatro anos
e sete meses de pena suspensa, apenas por três: um de corrupção ativa,
um de corrupção passiva e um de prevaricação.
Só em 2017, depois
de a medida de suspensão de funções ter terminado o prazo e voltar a
exercer funções no IRN, como conservador, voltou a receber o salário.
Situação idêntica sucedeu com o ex-diretor do SEF, que esteve
18 meses sem ordenado, por determinação dos próprios serviços jurídicos
daquele organismo, até cessar a medida de suspensão de funções e voltar
a ser integrado em 2017.
Manuel Palos esteve preso
preventivamente, com pulseira eletrónica, e foi absolvido de todos os
crimes de que era acusado, um de corrupção passiva e dois de
prevaricação, também em janeiro deste ano. Este coordenador superior do
SEF, que foi de novo integrado no serviço em fevereiro de 2017,
contestou a decisão, reclamando a devolução dos vencimentos, mas ainda
aguarda a decisão do Supremo Tribunal Administrativo.
Mais
recentemente, o diretor do SEF de Albufeira, detido por suspeita de
corrupção há um ano e suspenso de funções, está também, desde essa
altura, sem ordenado.
Em nenhum destes três casos a
sentença transitou em julgado. O Ministério Público recorreu da sentença
de primeira instância no caso dos "Vistos Gold". No processo do SEF de
Albufeira ainda nem foi deduzida acusação.-
No caso dos quadros do
SEF, as respetivas defesas usaram como argumento o facto de, desde
2014, este serviço, tal como as outras forças de segurança e os
militares, terem sido excluídos da aplicação da Lei Geral do Trabalho em
Funções Públicas, tendo ficado ao abrigo de uma lei anterior (1999) que
inclui a prisão preventiva como motivo de força maior para justificar
as faltas.
No caso do SIRP, os funcionários estão sujeitos à esta
Lei Geral - situação que o CFSIRP recomendou que fosse alterada, tendo
em conta as especificidades da missão dos serviços de informações e a
exigência de garantir que tenham ao seu serviço "pessoas com comprovadas
qualidades cívicas, profissionais, ético-deontológicas e culturais e
com comprovada solidez de caráter".
* Um procurador muito generoso com o dinheiro dos contribuintes, mas há pior.
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