28/06/2019

SÉRGIO MAGNO

.





Apple: 
a roçar o insulto

Pode um suporte para monitor de 999 dólares ser uma metáfora perfeita para a atual estratégia da marca de Cupertino?

Longe vão os tempos em que Steve Wozniak desenvolveu o Apple 1, considerado por muitos o primeiro verdadeiro computador pessoal. Ao contrário de outros sistemas concorrentes, ainda muito baseados em interruptores e luzes, ao Apple 1 bastava adicionar um teclado e rato. Custava 666,66 dólares, um número que terá sido escolhido por Wozniak conhecido por ter um sentido de humor particular. Se fosse hoje, seria considerando um projeto de makers, feito manualmente com recurso a materiais económicos. Uma grande obra de engenharia que depois evoluiu para produtos comerciais muito graças ao “toque de Midas” de Steve Jobs.

Esta breve introdução histórica serve para demonstrar que a Apple nasceu muito da ideia de democratizar o acesso à computação pessoal. É verdade que, anos mais tarde, o primeiro Macintosh já foi vendido por cerca de 2500 dólares (mais de €5000 a valores atuais), mas mesmo esse preço era perfeitamente aceitável para a altura quando considerado o fator inovação que a máquina trazia – o primeiro computador pessoal “chave na mão” com interface gráfica. Os produtos Apple tornaram-se caros? Sim, sem dúvida, mas o custo acrescido era, regra geral, justificado pela conjugação dos fatores inovação, tecnologia, funcionalidades e design. Os clientes e utilizadores Apple pagavam mais, mas não se sentiam enganados. De tal modo que estavam e ainda estão entre os clientes mais fiéis do mercado.

Quase 43 anos depois do lançamento do Apple 1, temos um produto que é completamente o oposto das ideias de democratização de Wozniak ou de valor acrescentado de Jobs. Refiro-me, claro, ao suporte para os novos monitores Pro Display XDR. Um suporte, sem qualquer elemento tecnológico, com um preço anunciado, antes de impostos, de 999 dólares (cerca de €900). Isto porque o monitor Pro Display XDR não inclui qualquer suporte apesar de, na versão de topo, custar, antes de impostos, 4999 dólares (cerca de 4400 euros). Sim, se quiser colocar este monitor em cima da secretária terá de comprar o suporte ou, se quiser usar um outro suporte mais em conta, comprar um adaptador VESA com um custo aproximado, sem impostos, de €180. Para quem não sabe, este adaptador é, essencialmente, um bocado de metal com furos. Sim, os Pro Display XDR nem respeitam o standard VESA de origem para garantir que os utilizadores terão de comprar o suporte ou o adaptador de preços disparatados. E basta ver o vídeo da apresentação para perceber-se que, quando estes acessórios foram anunciados, a Apple perdeu a audiência. Em vez dos fortes aplausos que estamos habituados a ouvir após o anúncio dos produtos ouviu-se o silêncio e alguns apupos. Isto num público muito pró-Apple.

O custo destes acessórios representa o cúmulo do que tem sido a nova política da Apple: manter o crescimento da faturação (e lucro) à custa do aumento médio dos preços para compensar a estagnação de vendas, uma consequência da perda de inovação. Já se vinha a sentir isso com outros produtos, com destaque para o iPhone, mas este simples suporte veio tornar evidente a procura desmedida de lucros. Sabemos que os mercados exigem crescimento, mas esta política pode transformar-se num “tiro que sai pela culatra”.

IN "EXAME INFORMÁTICA"
11/06/19

.

Sem comentários: