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IN "DN LIFE"
16/06/19
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Pagamos aos nossos filhos
para estudarem?
Estamos na recta final do ano lectivo e ouvem-se crianças e
adolescentes a fazerem contas à vida, que é como quem diz, a tentarem
perceber quanto dinheiro irão receber pelas notas da escola. Isso mesmo.
No primeiro ciclo, os Muito Bons valem 10 euros, os Bons valem 5 e os Suficientes apenas 3 euros.
Os valores sobem no segundo ciclo, havendo miúdos a receber 30 euros
por cada disciplina a que tenham um 4 ou 5. No secundário, a subida é
exponencial. Ora bem, o que pagam então os pais aos filhos
universitários?
Esta é uma realidade mais generalizada do que possa pensar-se,
transversal ao ensino público e privado, e parece não depender assim
tanto da capacidade económica dos pais. Pois em boa verdade, vejo pais
pagar a sua dívida (é nestes termos que as coisas são colocadas) com
algum sacrifício tendo mesmo, por vezes, de recorrer à ajuda dos avós.
Penso que esta é uma realidade perversa. Diria mesmo muito perversa. Senão vejamos o que estamos a ensinar aos nossos filhos.
Estudar e aprender não é algo intrinsecamente bom, que nos faz sentir
bem e que gera prazer. Não, que tolice, estudar e aprender é algo mau e
por isso apenas poderá ser feito a troco de um reforço. E que esse
reforço seja externo, sob a forma de dinheiro.
Na ausência de reforço externo não vale a pena trabalharmos e sermos empenhados, pois o poder do auto-reforço é nulo.
Ir à escola, descobrir coisas novas e perceber o mundo é como um
trabalho. Logo, como qualquer outro trabalho, tem necessariamente de ser
remunerado. E bem, se faz favor, que isto de trabalhos precários já não
se aguenta.
Os pais e os avós são a entidade empregadora dos filhos.
Pagam a semanada ou a mesada, que equivale a um ordenado, e ainda um
prémio por mérito. Pagam também subsídio de alimentação, subsídio de
livros e propinas, subsídio de férias e de transporte (carro ou uber,
porque andar a pé, de metro ou autocarro é só para alguns). E muita
sorte os miúdos não exigirem também juros de mora quando os pais se
atrasam no pagamento!
Os pais devem agradecer aos filhos pelas notas que estes têm na escola, e a forma de o mostrar é pagar. “Obrigado,
meu filho, por teres ido às aulas, teres ouvido o que disse o
professor, teres pegado nos livros e teres feito o favor de aparecer no
dia do teste. Muito obrigado, agora toma lá 20 euros para veres o quanto te estou agradecido”.
Questiono-me sobre os adultos que estas crianças e adolescentes serão amanhã.
Serão adultos empenhados e gratificados, que sabem retirar prazer das
mais diversas coisas da vida, mesmo aquelas que não lhes trazem outro
tipo de reforços?
Serão adultos empáticos e voluntários, que ajudam apenas porque sim, sendo o voluntariado não remunerado? Serão adultos com tolerância à frustração e capacidade em adiar o prazer, focados nos processos e não tanto nos resultados?
Pois, não sei. Sei apenas que os pais, carregados de boas intenções,
se sentem tantas vezes perdidos e desorientados, sem saberem muito bem
como motivar os filhos para a escola e as aprendizagens. Tentam de tudo, ralham, obrigam, batem, castigam. Pagar acaba por ser a derradeira tentativa de os orientar e encaminhar.
Vivemos numa sociedade acelerada, cheia de mudanças e repleta de
desafios. Repensar o equilíbrio na forma como se exerce a parentalidade
parece ser o maior desafio de todos. Saber proteger sem sobreproteger. Saber orientar e encaminhar sem perder o sentimento de pertença. Saber ensinar a pescar ao invés de dar o peixe.
IN "DN LIFE"
16/06/19
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