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IN "O JORNAL ECONÓMICO"
28/06/19
A ‘descoberta’ da corrupção
Felizmente há Ramalho Eanes, um dos poucos portugueses com estatuto para dar dimensão às preocupações da maioria dos seus compatriotas.
Não
acreditemos em milagres: muitos dos políticos que agora já dizem
pretender “combater a corrupção” são os mesmos que queriam, e vão
continuar a querer, o controlo do Conselho Superior do Ministério
Público (CSMP), felizmente chumbado por agora na Assembleia da
República.
Com o descaro instalado, devemos mesmo colocar a
possibilidade de José Sócrates decidir escrever um dia destes um
indignado artigo sobre o tema – o que, aliás, daria um bom pretexto para
Proença de Carvalho mandar organizar uma sessão crítica do tráfico de
influências. Vejo ‘senadores’, alguns já avençados, em número suficiente
para uma semana de espectáculo.
Felizmente há Ramalho Eanes, um
dos poucos portugueses com estatuto para dar dimensão às preocupações da
maioria dos seus compatriotas. Afirmou ele, durante uma conferência na
SEDES, que a corrupção se tornou uma epidemia perante a complacência do
sistema partidário. E acrescento eu, sem qualquer preocupação nem
receio: uma epidemia catalisada principalmente pelas ‘máquinas’ do PS e
PSD, com a colaboração do CDS.
Não devemos, por isso, estranhar
que Portugal, 45 anos depois do golpe de Estado de 25 de Abril, seja o
país menos cumpridor das recomendações do Conselho da Europa contra a
corrupção. O relatório publicado esta semana, precisamente aquela em que
PS e PSD, sobretudo o partido de Rui Rio, se afadigaram a tentar
colocar uma trela no pescoço do MP, revela-nos que no final de 2018
faltavam cumprir 73% dessas recomendações. A vergonha fica mais clara
quando vemos Portugal atrás da Turquia de Erdogan (70%), da Sérvia
(59%), da Roménia (44%), da Bélgica (42%) e da Croácia (39%) e ainda
apontado por não ter ratificado a Convenção sobre Corrupção e Lei
Criminal!
A propósito, relembro o Índice de Perceção da Corrupção,
da Transparência Internacional, divulgado em janeiro e referente a
2018. Nele, Portugal ocupa a 30.ª posição entre 180 países e territórios
avaliados, obtendo uma pontuação de 64 pontos em 100 possíveis, dois
abaixo da média europeia (66) e longe das chamadas democracias plenas
(75).
As palavras do Presidente da República, Marcelo Rebelo de
Sousa, no Conselho da Europa, sobre a necessidade de reforçar a luta
contra a corrupção, acompanhada da promessa de que as novas leis em
Portugal serão aprovadas até ao fim da atual legislatura, não podem
deixar de ser entendidas como uma consciência desta vergonha nacional,
há anos ignorada pela política e bem estampada na derrocada dos bancos e
nos processos conhecidos. Se até António Costa se compromete a
apresentar medidas durante a próxima campanha das legislativas, em
outubro, podemos ter uma ideia do lodaçal.
É evidente a relação
direta entre corrupção e saúde democrática, como entre a ação dos
partidos e a abstenção eleitoral. É por isso cada vez mais estranho o
percurso de Rui Rio, politicamente perdido nas suas teimosias e
convicções, com um discurso afastado da realidade quando toca nos temas
da Justiça.
O presidente do PSD já tinha colaborado na satisfação
com que o Governo não renovou o mandato à ex-PGR, Joana Marques Vidal.
Agora também não consegue ver o que até o PCP aponta com clareza: a
tentativa de controlo do CSMP não pode ser desligada de um quadro de um
número crescente de investigações judiciais. Configuram um novo patamar
de interferências e pressões sobre o poder judicial e os seus órgãos
próprios, em desrespeito pelo princípio constitucional da separação de
poderes. Só não vê quem não quer.
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
28/06/19
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