08/04/2019

MARIA DE FÁTIMA CARIOCA

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 Colocar Moçambique na agenda

Não se pode exigir de ninguém um compromisso para com o mundo, se ao mesmo tempo não se reconhecem e valorizam as suas peculiares capacidades de conhecimento, vontade, liberdade e responsabilidade.

Moçambique traz de novo para a agenda mundial a grande questão da sustentabilidade. De maneira trágica, sem dúvida.

O ciclone tropical Idai, que provocou inundações devastadoras e a perda de incontáveis vidas humanas em Moçambique, Zimbabwe e Malawi, considerado um dos desastres naturais mais graves no Hemisfério Sul, é um "sinal alarmante dos extremos climáticos", como afirmou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.

No relatório recentemente publicado (28.Mar), a Organização Meteorológica Mundial divulgou números impressionantes: "As enchentes, furacões e secas severas ocorridas em 2018 atingiram 62 milhões de pessoas e deslocaram mais de 2 milhões em todo o mundo no ano passado." As inundações afetaram mais de 35 milhões de pessoas. O supertufão Mangkhut atingiu mais de 2,4 milhões de pessoas, principalmente nas Filipinas. Na Europa, no Japão e nos Estados Unidos, mais de 1.600 mortes foram atribuídas às intensas ondas de calor e a incêndios florestais. Para além disso, salienta ainda o relatório, a exposição do setor agrícola aos fenómenos climáticos extremos ameaça reverter o que vinha sendo conseguido na luta contra a desnutrição, verificando--se, de novo, um aumento da fome após um período prolongado de diminuição.

Todos estes fenómenos são "somáticos" e relevam a importância de uma agenda global e abrangente sobre sustentabilidade e desenvolvimento humano.

Mike Rosenberg, professor do IESE, comentava, numa das suas conferências na AESE Business School em fevereiro passado, que "os negócios e a sustentabilidade não são companheiros naturais". A dificuldade tem a ver, sobretudo, com o horizonte temporal das decisões. No entanto, nos dias que correm, esta relação não é opcional. O mundo mudou. Já não se aceitam as externalidades negativas dos negócios. É necessário que as empresas criem impacto positivo. Há que ter um sentido, um propósito único, inspirador e autêntico, que transmita como a organização cria valor para as pessoas e para a sociedade, através de modelos de negócio e soluções lucrativas e sustentáveis. E, na realidade, encontramos empresas muito interessantes. A Nestlé é um bom exemplo. Em concreto, a Nespresso trabalha junto dos agricultores, criando e partilhando valor, no âmbito do Shared-Value, e, por outro lado, desenvolve iniciativas, em parceria com associações e empresas, para a reciclagem das cápsulas e do café já utilizado.

Quanto ao desenvolvimento humano, é especialmente importante que seja integral e inclusivo, no sentido de incluir e comprometer a humanidade inteira, mas também no sentido do autêntico desenvolvimento de cada pessoa, respeitando a unidade de cada um em todas as suas dimensões. Não se pode exigir de ninguém um compromisso para com o mundo, se ao mesmo tempo não se reconhecem e valorizam as suas peculiares capacidades de conhecimento, vontade, liberdade e responsabilidade. Esta consideração é particularmente relevante hoje em dia quando, por exemplo, se encaram os possíveis cenários do trabalho no futuro e as disfunções económicas que acarretam, ou ainda quando confrontados com realidades onde os mais frágeis são os protagonistas.

Se a agenda mundial é essencial e uma prioridade, o mesmo acontece com a agenda pessoal. Não se trata apenas dos produtos que compramos e (re)utilizamos, mas das escolhas que fazemos, as atitudes que tomamos, a cultura de sobriedade que desenvolvemos, as comunidades que construímos e cuidamos. Tudo contribui para o desenvolvimento sustentável, humano e integral com que todos sonhamos. A prova são as inúmeras ajudas, gestos pessoais, solidários e anónimos, que de Portugal chegam a Moçambique.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
07/03/19

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