12/03/2019

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Vigília pede discussão de petição pelas Doenças Inflamatórias do Intestino

São "uma gota" nas necessidades de quem vive com uma doença inflamatória do intestino e, por isso, as responsáveis pela petição, com cerca de 11 mil assinaturas, que pede um cartão de acesso a wc"s que permita aos doentes com este tipo de patologias aceder a instalações sanitárias disponibilizadas pelos estabelecimentos comerciais apenas a empregados; a isenção taxas de moderadoras para os doentes e a inclusão das doenças inflamatórias do intestino na Lista de Doenças Incapacitantes, não percebem o porquê da demora do debate.

O documento, apresentado há quase um ano, ainda aguarda marcação de discussão em sessão da Assembleia da República depois de ter sido aprovado, recentemente, o relatório final na Comissão Parlamentar da Saúde.
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Rodeadas de centenas de balões roxos, a cor da doença, Vera Gomes e Ângela Vilas Boas Silva, as duas signatárias da petição e responsáveis pelo site Doença de Crohn/Colite Portugal, vão estar, esta quarta-feira, dia 13, entre as 7 e as 16 horas, juntamente com os doentes e familiares que aderirem, a entregar folhetos informativos e a responder a perguntas para lembrar o tema.

"A saúde não se compadece de prazos administrativos. Vamos relembrar que a petição e as doenças inflamatórias do intestino não dão para pôr em pausa e esperar que a lenta burocracia portuguesa se decida a avançar. Será uma vigília pacifica para sensibilizar para a doenças que têm um grande impacto na vida das pessoas", diz Vera Gomes, uma das signatárias da petição, lembrando que estas doenças afetam 20 mil portugueses. "É um dia de reunião de plenário e queremos chegar aos deputados. As pessoas não têm noção das implicações desta doença, há muito desconhecimento", lamenta.

Trata-se de doenças crónicas em que se faz controlo de sintomas e em que as emergências para a casa de banho são apenas uma pequena parte. "O que pedimos na petição é uma gota, mas é um começo e para muitos de nós será uma ajuda considerável", defende a signatária da petição, diagnosticada em 2007 com colite ulcerosa. "Nós acreditamos que a saúde é prioritária, mas estamos dependentes da vontade política", refere.

Sobre os pedidos feitos na petição, lembra que o cartão de acesso ao WC estaria disponível para quem padece de outras doenças, como cancro de bexiga ou problemas de próstata. "Já tivemos casos de doentes que se sujaram na farmácia porque não tiveram acesso à casa de banho", dá como exemplo. O impacto psicológico destes "acidentes" faz com que muitos doentes optem por não sair de casa por medo de não terem acesso a um WC. Já a Lista de Doenças Incapacitantes não é atualizada há mais de 30 anos, critica.

A vigília será um "ato simbólico" para "lutar pela dignidade dos doentes". "Estamos disponíveis para dar a cara e acreditamos que a opinião pública pode influenciar o poder político", acredita Vera Gomes.

Abandonou o voluntariado por causa da doença
Carla Soares, uma doente de Crohn, ostomizada, é uma das que, amanhã, estará à porta da Assembleia da República.

A jovem de Paredes, agora com 30 anos, viu a vida mudar com a descoberta da doença. Era socorrista da Cruz Vermelha Portuguesa, na delegação da Sobreira, e viveu para ajudar os outros até que a doença a impediu de continuar. "O trabalho e o voluntariado preenchiam-me e eram gratificantes. Gostava de ter chegado ao INEM, mas por causa da doença tive que abdicar desse sonho", conta.
Os sintomas apareceram por volta dos 21 anos. "Comecei a sentir um cansaço diferente, umas dores de barriga estranhas, a ter que ir mais frequentemente à casa de banho e a ver sangue nas fezes", descreve. Ao início não ligou. Tinha uma vida stressante, com refeições fora de horas e achou que isso poderia estar a influenciar.

Passaram-se seis meses até se decidir ir ao médico. Fez uma colonoscopia e o diagnóstico veio logo, era Crohn, uma doença inflamatória do intestino. "Nunca tinha ouvido falar da doença. Não reagi bem nem aceitei logo. Tinha uma doença crónica e essa palavra é muito forte. Mas fui obrigada a aceitar, não tinha outra escolha", relata Carla Soares.

Passou a tomar medicação para controlar os sintomas, mas, talvez pela vida stressante, sem horários e muitos esforços que continuou a levar, acabou por ter uma crise. Ainda voltou à Cruz Vermelha só que, entretanto, engravidou e, aos seis meses, foi "obrigada" a parar. "No meio da doença veio a dádiva que foi a minha filha", a Leonor, hoje com cinco anos, explica.

Só que a doença também evoluiu. A menina nasceu em agosto de 2013 e em novembro do mesmo ano, a paredense fazia a primeira grande intervenção cirúrgica para retirar todo o intestino grosso. "O meu maior medo era morrer e deixar a Leonor", confessa.

Depois da operação foi-lhe colocado um saco externo para as fezes e teve que se mudar para casa dos pais porque precisava de ajuda. Fez uma nova cirurgia de reconstrução do intestino, mas acabou um mês internada e ligada às máquinas, recorda.

"Para ir do quarto à casa de banho tinha que usar fralda"
algumas melhorias, o surgimento de uma fistula retovaginal e novas crises. "Em outubro de 2017 fiquei completamente incapacitada. Para ir do quarto à casa de banho tinha que usar fralda. Passei a usar fralda 24 sobre 24 horas", relata a jovem. Em 2018 foi ostomizada e colocou um saco para fezes definitivo. "Aí já aceitei porque sabia que era o melhor para mim. Eu não tinha qualidade de vida. Agora tenho mais, embora continue a ter crises fortes que me deixam incapacitada", admite.
Não pode trabalhar e tem uma incapacidade declarada de 90%. Também não tem acesso à reforma porque não fez descontos tempo suficiente. Conta com o apoio "incondicional" da mãe e do marido. A filha tem sido a força que a faz continuar.

"Quando a Leonor está comigo eu nunca estou mal. Usar fralda é uma forma de estar com ela e fazer tudo o que uma "mãe normal" faz. Quando estou de cama ela faz de minha médica e enfermeira", conta Carla Soares.

Entretanto, o sonho de ajudar os outros ganhou nos últimos tempos uma nova forma. Descobriu o grupo Doença de Crohn/Colite Portugal e passou a ajudar com a petição e a apoiar outros doentes. "Isto é mau, mas é mais fácil de ultrapassar se tivermos um sorriso. Há muitos tabus e complexos sobre a doença e os doentes ainda se isolam muito. Se num momento de crise preciso de fralda para sair de casa é melhor do que ficar em casa isolada do mundo", garante.

Ela deu o rosto pela causa nos cartazes usados pelo grupo, em que surge vestida de supermulher, mas garante que representa todos. "O meu testemunho é para que outros possam ter a mesma coragem e força. Não sou mais nem menos que os outros. Não sou eu que estou no cartaz, somos todos", sustenta.

Porque não esquece situações difíceis que passou, defende esta petição e as suas reivindicações. "Uma vez, junto à Estação de São Bento já vinha a caminhar devagar, cheia de suores frios e com medo de me sujar se não chegasse a tempo à casa de banho. Estava a agonizar quando entrei e disseram-me friamente que tinha que consumir para usar o WC. Pedi uma água, pus cinco euros em cima do balcão e fui à casa de banho sem querer saber de mais nada. Há falta de sensibilidade", queixa-se.

Da mesma forma, não se impede de fazer nada, embora note os olhares de que é alvo. Faz praia de biquíni. "Eu não tenho que me esconder, se eu já me aceito a sociedade tem que me aceitar", defende.

"Há quem olhe para nós como coitadinhos e quem nos olhe como guerreiros, outros de forma constrangida, quase a reprovar o facto de mostrarmos o saco", diz a natural de Paredes.

* Exige-se respeito por estas pessoas.

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