28/02/2019

RICARDO REIS

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Economia sem neoliberalismo

Não há governo no mundo que não use a economia para guiar as suas políticas de forma sensata, avaliar os seus efeitos, e prevenir disparates.

Quem frequenta uma cadeira de introdução à economia de um semestre e nada mais pode confundir economia com neoliberalismo. A economia moderna distinguiu-se pelo estudo do ser humano como agente que tenta fazer o melhor que pode sujeito às muitas limitações que enfrenta, e pela forma como os mercados e a livre troca entre essas pessoas quase sempre levam a melhores resultados do que o planeamento de um ditador ou de um ministro. Para além disso, a prática da economia no setor privado mostra que é fundamental a compreensão profunda de que não há almoços grátis, os preços são sinais dos mercados, e para todas as escolhas há custos de oportunidade. Praticamente todos os economistas sensatos que conheci na minha vida e que serviram os seus países em funções públicas, regressam com a lição que 90% do seu tempo foi passado a prevenir políticas bem intencionadas mas claramente contraproducentes, que seriam catastróficas por ignorarem os incentivos que criam e as restrições orçamentais que enfrentam.
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Ao mesmo tempo, quem fez mais do que uma cadeira de economia descobriu que, depois desta introdução, a maior parte do estudo é dedicado a estudar falhas dos mercados, escolhas individuais que levam a maus resultados no agregado, e milhares de formas através das quais as políticas e regulações económicas são úteis e necessárias. Sempre que os auto-designados críticos da economia, um grupo pequeno mas com uma visibilidade desproporcionada, publica mais um artigo a repetir os mesmos lugares-chaves de há décadas sobre as supostas falhas da economia moderna, 99% dos economistas não se identifica com nenhuma das generalizações que são feitas. Mas porque há uma grande população que só fez uma cadeira de introdução à economia, as críticas parecem fazer sentido.

Esta semana, três respeitados economistas convencionais, Naidu, Rodrik, e Zucman, lançaram um manifesto “Economia depois do neoliberalismo” em conjunto com uma nova organização com nome Economistas por uma prosperidade inclusiva. 
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Pessoalmente, cada um deles tem inclinações políticas que estão muito longe do neoliberalismo, e isto reflete-se no seu trabalho de investigação, que se tem debruçado sobre os direitos dos trabalhadores, sobre as consequências nefastas da globalização, e sobre a desigualdade. 

O seu objetivo é transmitir ao público que só fez uma cadeira de economia, ou nem isso, ideias e políticas que podem parecer radicais por estarem no diâmetro oposto do neoliberalismo mas que resultam de aplicações convencionais da ciência económica. 
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 Não há governo no mundo que não use a economia para guiar as suas políticas de forma sensata, avaliar os seus efeitos, e prevenir disparates. Pode-se sem dúvida ser um radical neoliberal usando princípios de economia. Mas também se pode ser um radical anti-liberal de esquerda ou de direita sem ter de abandonar a economia tradicional e usar fantasias não-científicas. A economia é um instrumento que se adapta aos valores de quem o usa. 

* Professor de Economia na London School of Economics

IN "DINHEIRO VIVO"
23/02/19

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