18/02/2019

FERNANDO RIBEIRO

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 O princípio da desconfiança

Existem duas formas de "ter o nome" no Banco de Portugal.

A primeira é, obviamente, trabalhar lá, para controlar as boas práticas financeiras e regular os abusos e o caos bancário. Como temos visto, e já vamos conhecendo alguns dos tais nomes, isso não tem resultado de todo. Em todo o caso, além da falência técnica dos bancos que arrasta o dinheiro dos contribuintes e depositantes para um poço sem fim, poucas ou nenhumas conclusões aparecerão e nenhumas resoluções de monta serão tomadas.

A segunda maneira de ter o nome no Banco de Portugal é mais comum a todos nós. Nasce do principio da desconfiança que caracteriza a relação entre serviços (públicos/privados) e cidadão (cliente/contribuinte). Por exemplo dever uma prestação a um banco. Mesmo que a vossa divida seja apenas de dois ou três dígitos, todo um processo se levanta e já vai bem avançado quando se dignam a nos notificar. Ademais, a diferença de dígitos da divida interessa. Se adicionarem mais uns zeros à direita, terão melhor hipótese de passarem pelos pingos da chuva e negociarem à mesa, sem e-mails ou SMS ameaçadores recebidos a um ritmo diário. Think big!

No entanto se é, como dizem, quase tecnicamente impossível para um banco, por exemplo, contactar com gentileza o seu cliente e dizer-lhe olhe Sr. Não sei quantos, temos aqui um saldo seu o qual podemos transferir para liquidar a sua divida na totalidade e fechar o assunto; o mesmo não se passa com todo o circuito armadilhado e coercivo que está montado e que vai destruindo empresários e famílias sem que ninguém se importe realmente com isso. A classe média hoje tem duas hipóteses: pagar ou pagar e correr atrás do prejuízo de modo a que mesmo pagando, não seja considerado uma espécie de bandido com o nome na policia do Banco e impedido, por tuta e meia, de movimentar contas, assumir créditos e fazer das tripas coração para alimentar todas as bocas e todas as mãos estendidas.

Na mesma óptica de perseguição ao cliente, trabalham as operadoras de telecomunicações. Noutros países, a qualidade do serviço e a relação com o preço, são os únicos indicadores e possibilitadores de uma fidelização a esse mesmo serviço. Por cá é compulsiva. Acabar com uma assinatura dessas é mais difícil que um divórcio, por exemplo. Um trabalho árduo que por vezes requer assistência legal, muita paciência, tempo, e mais dinheiro.

O triangulo fecha-se com a proliferação dos escritórios de contencioso, designados e treinados como cães de caça para farejar os 30€ que a senhora idosa de Monte de Bois, Alcobaça está a dever da internet que não utiliza, do fixo que nem tirou da caixa e das dezenas de canais que nem vê. Não se vendem serviços sem ser em "pacote" e é na pacotilha do discurso de estagiários "telecobradores" que também se verifica o descuido e o desprezo com que os serviços tratam o utilizador e a impunidade com que o fazem.

A tudo isto assiste um principio que é preocupante, mas que tem dominado muita da interação com o cidadão e desequilibrado em definitivo, a escala da relação de poderes com que se desenha a sociedade. É o principio da desconfiança, imposto por decreto e que entrega o poder às instituições públicas ou privadas para fazerem de nós aquilo que bem entenderem.

IN "TSF"
17/02/19

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