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IN "OBSERVADOR"
27/12/18
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Assunção Cristas vai pedir
votos com um “colete amarelo”?
Ao colar-se aos coletes amarelos, Cristas quis mostrar que tem a
capacidade de sair da bolha e ouvir o povo. Terá tudo isso. Só não tem o
bem mais precioso de um político: um filtro para o disparate.
Assunção Cristas não resistiu. Sentindo que o país poderia estar
perto de uma sublevação cívica que destruiria a “geringonça”, expulsaria
António Costa do poder e deixaria Marcelo Rebelo de Sousa a tremelicar
no Palácio de Belém, a líder do CDS achou que a atitude mais sensata era
juntar-se às massas que preparavam a revolução. Por isso, quando lhe
colocaram um microfone à frente, assegurou,
em tom patriótico: “Nós no Parlamento temos insistido em muitas das
teclas que estão neste momento a ser tocadas por este movimento”.
O
“movimento” de que falava Assunção Cristas eram os autodenominados
“coletes amarelos portugueses”. O que quer dizer, como toda a gente hoje
sabe, que não estamos propriamente a falar num “movimento” — a não ser
que consideremos que atravessar repetidamente a estrada numa passadeira configura uma definição de “movimento” para efeitos políticos.
Não é especialmente grave que Assunção Cristas tenha atrelado o CDS a
uma irrelevância — afinal, isso não é inédito na gloriosa história de
um partido que já teve um grupo parlamentar que cabia dentro de um táxi.
Mas já se torna preocupante perceber que a líder do CDS, que sonha ter
mais votos do que o PSD nas próximas legislativas, tem o seu programa
eleitoral à venda para quem gritar mais nas redes sociais.
Adolfo Mesquita Nunes bufa, sua e esforça-se na desesperada tentativa de transformar o partido na “grande casa da direita”;
e depois, de repente, sem que se perceba como nem para quê, Assunção
Cristas troca a “grande casa” por uma pequeníssima casa e a “direita”
por um anarquismo delirante.
Na pressurosa tentativa de se colar
aos “coletes amarelos”, Cristas enumerou as tais “teclas” que assegura
ter insistentemente tocado no Parlamento e que agora trouxeram cerca de
12 pessoas para a rua. Primeiro, lembrou que “não é por acaso” que o CDS
tem falado da questão dos impostos demasiado altos. Realmente, é um
ponto em comum com os “coletes amarelos”. Mas será que Assunção Cristas
também pretende, tal como os seus novos amigos políticos, fazer isso
recorrendo “à correspondente taxação às grandes empresas e
multinacionais, com base na sua margem de lucro”? Cristas quer reduzir
os impostos para uns e aumentar os impostos para outros? E, já agora:
esses impostos a mais das grandes empresas são suficientes para pagar os
impostos a menos de todos os outros? A líder do CDS fez as contas?
O
outro ponto que Cristas lembrou ter em comum com os “coletes amarelos” é
o das “questões da saúde”. É curioso: será que a líder do CDS também
acha que o SNS “não consegue, atualmente, prestar um serviço de
qualidade, uma vez que é completamente manipulado pelos lobbies da
indústria farmacêutica e da clínica privada”? Assunção Cristas quer
acabar com o lucro na saúde, que segundo os nossos “coletes amarelos” é
“profundamente imoral”?
Presume-se que por falta de tempo, a líder
do CDS não deu outros exemplos da sua santa comunhão com este
“movimento”. Mas, perante todo o seu entusiasmo com os “coletes
amarelos”, é legítimo fazer algumas perguntas mais. De certeza que
Assunção Cristas leu o manifesto oficial
destes beneméritos políticos, caso contrário estaria a falar do que não
conhece, o que seria inédito. Por isso, tendo lido e feito acenos de
concordância frente às câmaras das televisões, ficam as dúvidas:
Assunção Cristas também defende, com ufanismo, que seja decretado o
“aumento imediato do salário mínimo para 700 euros”, sem que se ouça
sequer a Concertação Social? Também acha, com furiosa certeza, que
Portugal é “refém do sistema bancário internacional”? Também quer, com
espírito de poupança, a “redução para metade do número de deputados
existentes na Assembleia da República”?
Também reconhece, com sentido de
autocrítica, que o sector primário, “importante pilar da Nação” onde se
inclui a agricultura, “tem vindo a ser destruído por sucessivos
governos incompetentes” (no qual se incluirá, presume-se, aquele em que
foi ministra dessa pasta)?
Ao dizer umas frases simpáticas sobre
os “coletes amarelos”, Assunção Cristas quis mostrar que tem a
extraordinária capacidade de sair da bolha do regime e ouvir as “vozes”
do povo. Terá tudo isso. Só não tem o bem mais precioso de um político:
um filtro para o disparate.
IN "OBSERVADOR"
27/12/18
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