25/11/2018

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HOJE NA 
"SÁBADO"
A tragédia das irmãs Mirabal colocou a
.violência de género no centro do mundo

Activistas dominicanas foram brutalmente assassinadas a mando do ditador Rafael Trujillo. Foi em sua homenagem que a ONU decretou o 25 de Novembro como o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres.

Os avisos chegavam constantemente: a forte oposição que faziam ao regime do presidente da República Dominica Rafael Leónidas Trujillo (1930 - 1961) iria custar-lhes a vida. Não receavam. "Se me matam, levantarei os braços do túmulo e serei mais forte", respondeu Minerva Mirabal aos conselheiros. A coragem acabou mesmo nas mãos do regime ditatorial, numa morte violenta. Mas Minerva e as irmãs, Patria e Maria Teresa, tornaram-se eternas e, 58 anos depois, são o motivo pelo qual o mundo se une a celebrar o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres.
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Rafael Trujillo, conhecido como El Jefe, governou a República Dominicana durante 31 anos - o militar centrou a sua liderança no anti-comunismo, na repressão contra os opositores e no culto da personalidade. Segundo a imprensa latino-americana, durante este período cometeram-se vários atentados aos direitos humanos como o massacre de 15 mil a 20 mil haitianos em 1937, numa operação executada pelo exército dominicano. Foi neste contexto repressivo que as três irmãs foram germinando a sua resistência, que na altura do assassinato levava cerca de dez anos.

Com origem numa família rica da província de Salcedo, formação académica, casadas e já mães, as três mulheres eram conhecidas como Las Mariposas (As Borboletas), tendo Minerva e Maria Teresa sido presas várias vezes, segundo a BBC Brasil. "Elas tinham uma longa trajectória de conspiração e resistência, eram conhecidas de muitas pessoas", explicou à mesma fonte Luisa de Peña Diaz, directora do Museo Memorial de la Resistencia Dominicana.

Foi na província em que nasceram que as irmãs Mirabal foram interceptadas pela polícia secreta. O plano estava bem delineado: as mulheres foram enforcadas e depois espancadas para que quando o carro fosse atirado do precípicio e os corpos encontrados parecesse que tinha sido um normal acidente de viação.

Trujillo talvez tivesse pensado que tinha eliminado um grande entrave ao seu governo, mas a popularidade das três mulheres e o aumento das torturas, desaparecimento, crimes e repressão acabaram por ter o efeito contrário. O despertar das consciências nunca mais parou até Trujillo ser assassinado em 1961. "O crime foi tão horroroso que as pessoas começaram a sentir-se inseguras, até mesmo aqueles que eram próximos do regime. Porque sequestrar três mulheres, matá-las e atirá-las [pelo precípicio] para fazer parecer que era um acidente é horroroso", defendeu Peña Diaz na mesma entrevista.

As três irmãs não estavam sozinhas na sua luta. Havia uma quarta, Dede, que talvez por ser mais reservada e ter um papel menos activo na resistência se conseguiu salvar - morreu em 2014. "Foi um dia terrível porque, apesar de sabermos [que corríamos perigos], não pensávamos que o crime se pudesse concretizar", assumiu Dedé no documentário Las Mariposas: Las Hermanas Mirabal, onde explicou que nunca teve dúvidas do que aconteceu: "eu agarrava os polícias e gritava 'não foi um acidente, assassinaram-nas'".

À BBC Brasil, a escritora americana de origem dominicana Julia Alvarez defendeu que a morte das irmãs acabou por dar um rosto humano à tragédia provocada pelo regime violento, impune há três décadas quando esse assassinato - um de muitos - ocorreu. "Esta história foi o "chega" dos dominicanos", disse a autora do romance En el Tiempo de Las Mariposas, que inspirou um filme com o mesmo nome, acrescentando que as dúvidas começaram a surgir em muitas pessoas: "Quando as nossas irmãs, as nossas filhas, as nossas mulheres, as nossas namoradas não estão seguras, para que serve tudo isto [regime]?"

As irmãs tornaram-se um símbolo do país, com direito a darem nome a uma província, terem um monumento numa avenida central da capital, Santo Domingo, e a um museu que é local de peregrinação todos os 25 de Novembro. A sua morte passou a ser símbolo de luta das mulheres contra a violência, em 1981, durante o primeiro Encontro Feminista da América Latina e do Caribe, que decorreu em Bogotá, na Colômbia. Durante a reunião, várias mulheres denunciaram casos de violência doméstica, mas também situações de violação e assédio sexual, tortura e prisão política por parte dos membros de diferentes estados.

Em 1999, a assembleia-geral da ONU designou o dia 25 de Novembro o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, exortando governos, organizações não-governamentais, associações internacionais e locais a organizarem campanhas e actividades de combate ao flagelo. 
Este ano (até 20 de Novembo), em Portugal, o número de mulheres assassinadas em contexto de intimidade ou relações familiares próximas atingiu as 24, mais seis do que no ano passado. Os dados do Observatório de Mulheres Assassinadas indicam ainda que o grupo etário que registou mais femicídios foi o das mulheres com mais de 65 anos, seguido da faixa etária entre os 36 e os 50 anos.
* Uma tragédia antiga com actualidade tenebrosa.

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