15/10/2018

RUTE AGULHAS

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Os pais não podem andar nus
à frente dos filhos?

O corpo despido dos pais deve ser escondido e tapado, sob pena de as crianças poderem ver e ficar traumatizadas. Pode até ser considerado um abuso sexual! É isto o que muita gente pensa.

Por isso, os pais fecham bem as portas da casa-de-banho e do quarto, andam enrolados em toalhas até se vestirem e todo este processo é vivido com muita preocupação e ansiedade. Ai se a toalha cai. Ai se as crianças veem…

Muitos pais – especialmente homens – evitam ainda sentar os filhos ao colo, uma vez que isso implica, necessariamente, contacto entre o rabo da criança e a zona genital dos pais (ainda que por cima da roupa).

Esta preocupação é mais frequente nos homens porque a tolerância social ao contacto físico entre as crianças e as mulheres é maior. Acredita-se (erradamente) que os abusadores sexuais são sempre homens. Mas não são. E quando os pais estão em conflito e um deles observa algum destes comportamentos no outro… podemos ter alegações de abuso sexual.

Estas são ideias ainda enraizada em muitos pais e mães, que procuram evitar a todo o custo que os filhos os vejam nus. E vivem rodeados de cuidados, associados a um medo crescente sobre eventuais alegações de abuso sexual. Que as crianças sintam esta exposição como algo negativo ou, ainda, que terceiros a percepcionem dessa forma.

O abuso sexual de crianças e jovens é um tema cada vez mais abordado, e ainda bem, sensibilizando a comunidade para a existência desta forma de mau trato, que é transversal a todas a classes sociais e estatutos sócio-económicos. Não é exclusivo das famílias pobres e disfuncionais e, mais, os agressores sexuais não se identificam a «olhómetro». Não são, necessariamente, estranhos-feios-porcos-e-maus. Não. Na maior parte das vezes são pessoas próximas do círculo relacional da criança, familiares ou amigos da família. Pessoas de confiança.

Por um lado, esta sensibilização da comunidade é muito importante, na medida em que permite desmistificar ideias erradas e, consequentemente, aumentar a probabilidade de estas situações serem precocemente identificadas e sinalizadas.

Aumentar conhecimentos sobre o abuso sexual e promover competências para a sua detecção e para saber lidar com o mesmo são os grandes objectivos da prevenção primária de natureza universal.

Por outro lado, é importante evitar os alarmismos. Os alarmismos são perigosos na medida em que aumentam a ansiedade e conduzem a comportamentos desajustados. E há que ter cuidado com os alarmismos em relação à nudez dos pais.

Ver os pais nus apenas poderá ser enquadrado como abuso sexual se a essa exposição estiverem associadas motivações sexuais (por exemplo, com toques ou conversas de natureza sexualizada, em que se pretende que o adulto ou a criança experimente algum prazer sexual). Caso contrário, não podemos falar em abuso sexual.

Outra coisa, bem diferente, é a necessidade de privacidade. À medida que crescem, é natural que as crianças se sintam incomodadas com este comportamento por parte dos pais, e vice-versa. Passam a fechar-se as portas, a não querer que se entre no seu espaço sem pedir licença. E a privacidade deve ser respeitada, pelo que os pais devem perceber em que momento este comportamento (muitas vezes, um hábito familiar que não é abusivo) deve ser repensado.

Por sua vez, sentar os filhos ao colo é maravilhoso, quer para os filhos, quer para os pais. Estamos a falar de um comportamento de cuidado, que transmite afecto positivo. O toque é muito securizante para a criança e fortalece os vínculos afectivos entre pais e filhos. E quem não gosta de colo?

E a velha ideia de mimo a mais não existe. O mimo quer-se em doses exageradas, superlativas, absolutas e sem qualquer contenção ou limites.

Assim, deixemos de lado esta ideia errada de que os pais têm de se controlar na forma como interagem com os filhos, sob pena de qualquer comportamento poder ser interpretado como potencialmente abusivo.

Importa clarificar, saber distinguir o que é, e o que não é, abuso sexual, para que pais e filhos possam viver a sua relação de uma forma tranquila, espontânea e, por isso mesmo, mais saudável e estruturante.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
14/10/18

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