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IN "SOL"
22/09/18
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A última lição de Marcelo
Marcelo sempre ensinou que a solução mais óbvia quase nunca é a correta, mas às vezes parece que ainda não o aprendeu
Marcelo Rebelo de Sousa deu a sua última aula na quinta-feira. Também
fui seu aluno, de Direito Administrativo, na Faculdade de Direito de
Lisboa
Estudante-trabalhador (já no jornalismo) mas sem desistir de
fazer o curso durante o dia, fui quase sempre aluno de método B (que é
como quem diz, frequentador de exames finais, escritos e orais)
prescindindo da avaliação contínua - que correspondia ao chamado método A
- porque o pouco tempo que me sobrava para a faculdade ainda tinha de
dar para a frequência das obrigatórias cadeiras de matraquilhos e
snooker.
Se ia a poucas aulas práticas, nas ‘catacumbas’, ia ainda a muito
menos aulas teóricas - aquelas que eram dadas pelos professores de
cátedra, como Marcelo Rebelo de Sousa.
E só poderei pecar por excesso se disser que fui a três das suas aulas.
Tanto que numa oral de Direito Constitucional, Jorge Miranda terminou
dizendo-me que só lamentava que eu não tivesse feito «mais vezes o
caminho para o anfiteatro 1». Com a vénia que sempre mereceu, ele lá
sabia.
O facto de ter feito o curso quase todo em método B fez com que
tivesse tido o privilégio de me cruzar em exames orais com professores
como Jorge Miranda, Soares Martinez (pai e filho), Martim de Albuquerque
e Pedro de Albuquerque e tantos outros. Mas não cheguei a apanhar
Marcelo - quem me fez a oral de Administrativo foi o professor Vasco
Pereira da Silva, à época assistente.
Não tenho por isso as recordações de Marcelo que muitos colegas meus têm.
Mas tenho lembrança de uma intervenção em particular.
Quando o anfiteatro 1 se encheu numa aula de História do Direito, de
Martim de Albuquerque, em protesto contra a discriminação de um colega
nosso invisual, Marcelo irrompeu sala dentro e acabou com a contestação,
garantindo que não haveria discriminação. Foi também por sua
intervenção que o nosso colega que mandou o professor Albuquerque
«marrar com o comboio de Chelas» não acabou por ali com uma já longa
carreira de aluno da FDL.
Se no Direito Constitucional o meu professor foi Jorge Miranda e as
suas sebentas os meus manuais, juntamente com as anotações dos
conimbricenses Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Administrativo as
minhas referências foram as obras de Freitas do Amaral e Marcello
Caetano.
Assim, em matéria de Direito, o que aprendi com Marcelo - e ainda
assim foi muito - foi depois, ao longo da minha vida de jornalista de
política, em que tantas vezes falámos sobre temas jurídico-legais e
constitucionais - sobretudo quando eu fui editor de Política e do
Primeiro Caderno do Expresso, altura em que mais me contactava ou me
respondia às minhas tentativas de contacto, vá lá imaginar-se porquê.
Também é verdade que, nesse período, Marcelo foi líder do PSD e tivemos os referendos da regionalização e do aborto.
E uma das coisas que Marcelo ensina, na linha, aliás, da sempre boa
escola de Direito de Lisboa, é que a solução mais acertada para um
problema, jurídico ou não, raramente é a que parece mais óbvia e
imediata.
Há que estar atento aos pormenores e ver as sub-hipóteses, porque a
solução está quase sempre nos pequenos sinais e nas pistas que tantas
vezes parecem menos óbvias e, porém, são-no.
É por isso que, deixando agora Marcelo professor e atendendo ao
Presidente, há que perceber o que também esta semana veio comunicar ao
país, a dois tempos.
Primeiro, em nota da Presidência da República, na quarta-feira, fez
saber que: «Tal como esclareceu em Leiria no sábado passado e ainda
ontem em Celorico de Basto, em resposta aos órgãos de comunicação
social, o Presidente da República nunca manifestou, nem pública nem
privadamente, qualquer posição sobre a matéria respeitante à nomeação do
Procurador-Geral da República. Pelo contrário, sempre afirmou que essa
matéria seria apenas objeto de apreciação uma vez apresentada a proposta
pelo Primeiro-ministro».
Depois, no dia seguinte, anunciou a nomeação de Lucília Gago como
procuradora-geral da República, confirmando a não recondução de Joana
Marques Vidal.
A primeira nota fê-la Belém porque, não obstante todas as posições
(ou pressões) públicas das últimas semanas a favor da recondução de
Joana Marques Vidal, Marcelo já sabia que não a iria reconduzir, uma vez
que até já dera assentimento ao nome de Lucília Gago proposto por
Costa.
Havia por isso, e desde logo, que afastar o cenário de uma derrota política ou de uma cedência do Presidente.
Porque a verdade é que, muito embora o Governo desde há meses tenha
deixado claro que não reconduziria Joana Marques Vidal - tendo por base o
entendimento, que pelos vistos Marcelo também tem, de que o mandato do
PGR deve ser não renovável -, o nome do Presidente foi sistematicamente
invocado e associado aos defensores da recondução. E Marcelo nunca, até
quarta-feira, se demarcou.
Porém, e usando léxico da FDL, estando embora a doutrina e a
jurisprudência divididas sobre a matéria, já há muito que era certo,
mesmo que não óbvio, que não havia volta a dar.
Tanto assim que Joana Marques Vidal aceitou participar, e botar
palavra, sobre o futuro da Justiça numa sessão pública três dias antes
de terminar o mandato. Quando aceitou fazê-lo, e tal foi divulgado, foi o
mais claro sinal de que a 12 de outubro já não seria a
procuradora-geral da República. Se o fosse, não falaria.
O professor Marcelo deu a última lição na quinta-feira, na Aula
Magna. Mas o Presidente, que sabe muito, ainda tem bastante para
ensinar. E, como resulta de todo este processo, para aprender.
António Costa, em tempos idos, também foi aluno dele - e com toda a certeza foi muito mais vezes do que eu ao anfiteatro 1.
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22/09/18
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