21/09/2018

JOSÉ BRISSOS-LINO

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O clero também se suicida

Nos últimos anos tem-se vindo a verificar um crescimento exponencial do suicídio entre pastores protestantes nos Estados Unidos

Apesar da crescente prevalência do suicídio no país, a verdade é que esta forma de violência auto-centrada tem assumido contornos epidémicos em determinados sectores do clero, mas as igrejas permanecem em silêncio sobre o assunto.
As estatísticas são realmente preocupantes. Segundo estudo do Centers for Disease, Control and Prevention, de 1999 a 2014, a taxa de suicídio ajustada por idade, nos Estados Unidos, aumentou 24% de 10,5 para 13,0 por 100.000, com um ritmo de aumento maior depois de 2006. O aumento verificou-se em ambos os sexos e é transversal às faixas etárias, indo dos 10 aos 74 anos de idade. São as taxas mais altas das últimas três décadas, com especial incidência no clero negro masculino e feminino branco.
Já por si as responsabilidades pastorais são exigentes e até mesmo perigosas, no entender dos especialistas em saúde mental. Mas as coisas agravam-se pelo facto de em determinados círculos religiosos, de orientação teológica fundamentalista, a depressão e os seus processos mentais negativos serem identificados como problemas estritamente espirituais, considerando-se por vezes o suicídio como um acto egocêntrico, que revela egoísmo, falta de fé ou de devoção.
Devido à vergonha e ao estigma tende a estabelecer-se um silêncio ensurdecedor nos círculos cristãos, quando o assunto é o suicídio eclesiástico, ou os problemas de saúde mental, emocional e relacional. De facto o suicídio é um problema essencialmente relacional e não apenas fruto duma mente perturbada.
Uma investigação da LifeWay, publicada em 2014, concluiu que 66% dos pastores protestantes raramente discutem questões de saúde mental com as congregações que servem e 49% raramente ou nunca resolvem o problema. Apenas 16% falam sobre doenças mentais uma vez por ano, e 22% manifestam relutância em ajudar os que sofrem de doença mental aguda, por exigir muito tempo.
Os seminários teológicos falham normalmente por não ensinar os alunos a lidar com conflitos ou mesmo a mediá-los, em comunidades locais de fé que incluem pessoas com problemas pessoais, traumas e conflitos. Sem essas ferramentas é difícil aos pastores e líderes religiosos manterem o seu equilíbrio pessoal face aos conflitos na comunidade, que serão sempre inevitáveis.
Um estudo nacional realizado com dois mil ministros da Igreja Metodista Unida concluiu que os inquiridos consideram as suas funções pastorais gratificantes mas exigentes. Muitas vezes têm que fazer de administradores, professores, pregadores, conselheiros e angariadores de fundos. Estão sempre disponíveis e por vezes precisam de lidar com pessoas gravemente perturbadas. Os pastores são os principais conselheiros de saúde mental para dezenas de milhões de americanos. São os primeiros convocados a ajudar em problemas familiares, conjugais ou nas crises pessoais. Segundo os estudos os membros do clero são das pessoas mais sujeitas a stresse profissional e enfrentam altos níveis de isolamento, solidão, medo, abandono, raiva e tédio.
Problemas familiares e expectativas irrealistas estão na base do abandono das funções pastorais e, no limite, do suicídio eclesiástico. Em muitos casos as dificuldades conjugais e familiares são provocadas pelo pouco tempo disponível para partilhar com os cônjuges e filhos, assim como problemas financeiros. Além disso existe uma tendência para colocar muitos pastores e famílias num pedestal, o que dificulta a formação de amizades normais e dá lugar a sentimentos de solidão e isolamento.
Parece evidente a necessidade de se fazer alguma coisa para alterar a cultura das comunidades locais de fé, porque os pastores também são seres humanos. As estatísticas mostram que um em cada quatro americanos sofre de doença mental grave, e um em cada quatro pastores também sofre de algum tipo de perturbação mental ou emocional. Em Portugal ainda não temos estatísticas sobre estas problemáticas, mas suspeita-se que o panorama será idêntico, ainda que sem a mesma visibilidade, talvez devido à configuração do panorama religioso, dada a dimensão reduzida do campo protestante e evangélico.
Mas o ideal é que os líderes religiosos aprendam a cuidar de si mesmos, desde logo respeitando os seus limites espirituais, emocionais e físicos. Se as organizações eclesiásticas que servem colocam demasiada pressão é preferível procurar outro caminho. No seu próprio interesse, a comunidade deve assumir a responsabilidade pelo bem-estar do seu pastor e este deve aprender a delegar responsabilidades.
Se a igreja é prioridade de vida sobre a família, algo estará errado. E em caso de sofrimento deve pedir ajuda sem receios ou preconceitos.
Sobretudo, há mais vida para lá das tarefas pastorais. Há que saboreá-la.

IN "VISÃO"
13/09/18


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