.
HOJE NO
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
Não existem pessoas heterossexuais,
diz a ciência
Quando muito, maioritariamente heterossexuais, segundo um estudo que garante que preto e branco é coisa que não se aplica à sexualidade humana. Isso e que somos todos mais fogosos na cama do que alguma vez pensámos.
Romances cor-de-rosa e comédias românticas, com mais ou menos
erotismo, têm todos a mesma fórmula. Um homem e uma mulher, uma atração
irresistível, as mais variadas contrariedades, o clímax, e, enfim,
felizes para sempre.
Tudo muito bonito, não fosse pelo facto de a ciência vir dizer que
não há pessoas heterossexuais, o que pressupõe outros enredos bem mais
interessantes. Para elas e para eles.
.
.
É pelo menos esta a conclusão de uma pesquisa publicada no Journal of Personality and Social Psychology (Jornal de Personalidade e Psicologia Social),
segundo a qual a sexualidade humana é complexa, fluida, impossível de
conter nas típicas convenções sociais e culturais de género que definem
alguém como sendo heterossexual, gay, bissexual ou outro rótulo qualquer.
«Estamos a tentar chegar ao que as pessoas realmente são e não fiquei nada surpreendido», revela à revista canadiana Vice
Ritch Savin-Williams, um dos autores do estudo que dirige também o
Laboratório de Sexo e Género no Departamento de Desenvolvimento Humano
da Universidade Cornell, em Nova Iorque. «Por vezes parece que vão num
sentido, embora acreditem ter de mostrar que caminham noutro diferente, o
que não é bom», diz.
Não é bom e não admira, à luz de uma sociedade ainda aferrada à ideia
de que o indivíduo tem de poder encaixar numa ou noutra orientação, não
há cá misturas. Isto quando, na prática, ao medir os efeitos
fisiológicos da pornografia em mulheres e homens, a investigação de Savin-Williams apurou que os corpos delas – tal como os deles – reagem positivamente quer ao sexo heterossexual, quer ao homossexual.
«Tem tudo a ver com energia erótica, com a pessoa sentir-se livre
para ser ativada por um ou outro género, apreciando a consciência do
prazer», explica a psicóloga e sexóloga Cristina Mira Santos. Porque
insistimos à força numa compartimentação, nós e os outros? «Se sou
mulher e gostei do toque de outra mulher, porque não encarar essa
experiência como qualquer outra com alguém do sexo oposto?»
E eles também, óbvio, sublinha Cristina Mira Santos. A lógica que
impera é a de que o sexo serve para procriar, contudo ter prazer e fazer
filhos são coisas diferentes: «Se concebermos a separação entre
aparelho reprodutor e sexual, com órgãos comuns mas funções distintas,
porque é que um homem também não há de poder sentir-se atraído por
alguém do mesmo sexo só por prazer?»
Uma questão que cruza diretamente com os resultados, no mínimo
inesperados, de uma sondagem levado a cabo pela Victoria Milan, a
plataforma de encontros para casais que procuram casos discretos: a
avaliar pelos números, obtidos numa amostra de 1300 entrevistados de
ambos os sexos em vários países do mundo, 87 por cento dos homens
admitem que algumas das fantasias sexuais mais comuns incluem os seus
melhores amigos do sexo masculino .
Para o professor de desenvolvimento humano de Cornell, o facto de os
homens se retraírem tanto comparativamente às mulheres deve-se a uma
inclinação geral da sociedade para rotulá-los, julgá-los e tratá-los com
particular dureza, às vezes a raiar a repugnância. Daí continuar a
trabalhar numa formulação a que chama de «maioritariamente
heterossexual», no sentido de desbloquear mentalidades.
«Sempre reconhecemos a existência de mulheres maioritariamente
heterossexuais, isto é, mulheres que são sobretudo hetero, mas caso a
mulher certa surja talvez experimentem também com ela», traduz
Savin-Williams. Não sendo um fenómeno exclusivamente feminino – a sua
própria pesquisa encarregou-se de lho mostrar –, que sentido faria
deixar os homens de fora?
«Também eu penso que, numa sociedade mais aberta, muitos de nós se
sentirão atraídos por pessoas de ambos os sexos», admite o psiquiatra e
sexólogo Júlio Machado Vaz ressalvando, desde logo, a diferença entre
isso e dizer que somos necessariamente bissexuais, ou poderíamos andar
todos a saltitar entre fases mais hetero, gay ou bi – não é verdade.
«Ao longo dos anos, ouvi inúmeros homossexuais lamentarem o fracasso
de tentativas desesperadas para se manterem ao abrigo do preconceito»,
justifica o especialista, sabendo que nem no meio da maior homofobia
social, por necessidade, conseguiam que essa alegada capacidade latente
viesse ao de cima para lhes facilitar a vida.
A psicóloga Cristina Mira Santos explica a evidência com processos
inconscientes de substituição: «Num casal de lésbicas, por exemplo, há
muitas vezes um membro com uma energia mais yin, feminina, e outro mais yang, que por escolher o papel masculino se torna reativo a gostar de homens.»
O mesmo sucede num casal de dois homens, diz Mira Santos: à partida, o yang estará mais aberto ao erotismo com mulheres do que o parceiro yin, que se identifica com elas e, como tal, não se sente ativado por um corpo feminino.
E ao que parece os olhos são mesmo o espelho da alma em matéria de
prazer, garantem os cientistas da Universidade Cornell. «Basicamente, o
que fizemos neste estudo foi avaliar a orientação sexual de alguém vendo
se os seus olhos dilatavam ou não, algo que não podemos controlar»,
conta Savin-Williams. É a derradeira missão do projeto: determinar a
sexualidade sem se fiar no que cada um diz de si. Palavras só
atrapalham.
«Outro modo de fazê-lo era analisar a resposta genital ao estímulo,
mas seria um pouco invasivo», acrescenta o especialista norte-americano,
dando razão a Shakespeare quando dizia que há mais coisas entre o céu e
a terra – neste caso entre normas de género – do que sonha a nossa vã
filosofia. Uma coisa é certa: a sexualidade humana acabou de se tornar
muito menos aborrecida.
* E prontos, eu a pensar que era hetérico.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário