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IN "OBSERVADOR"
05/07/18
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Bem-vindos
ao reino da impunidade
Se deve mil tem um problema, se deve milhões não se preocupe. Se
pertence à elite que partilhou escola ainda se deve preocupar menos. E
nada se é parte do grupo certo, seja de que partido ou clube for
O tempo passa e há já quem tenha caído com o peso das suas dívidas
durante a crise e já se tenha levantado ou reduzido o seu nível de
vida. Se é esse o seu caso é porque não devia centenas de milhões de
euros, não estava integrado na rede do poder ou não pertencia a nenhum
grande clube de futebol. Para esses, que deviam centenas de milhões de
euros, os bancos não têm meios para os obrigar a pagar ou a falir e os
mais diversos poderes defendem-nos com o sigilo bancário, ao mesmo tempo
que se apresentam como defensores dos desfavorecidos. Nunca como hoje
se teve um discurso e se actuou de forma oposta ao que se diz.
Porque
não conseguem os bancos que os grandes devedores lhes paguem? Estão
protegidos por contratos jurídicos invioláveis, argumenta-se. Ou nada
têm nas empresas que eram suas e que, em muitos casos, desnataram. Ou
nada têm em nome pessoal como aconteceu por exemplo com Nuno
Vasconcellos da Ongoing que só tinha uma mota de águaquando o BCP finalmente resolveu executar a sua dívida de 9,7 milhões de euros.
Bem
vindos pois a um país onde os grandes devedores conseguem continuar a
dever sem que nada lhes aconteça enquanto outros, os pequeninos, pelo
menos alguns, já tiveram tempo para pagar o que devem e reconstruir as
suas vidas. Ou estão ainda a pagar caro os erros que cometeram.
Bem
vindos a um país onde um banqueiro pode receber uma liberalidade de um
cliente sem que nada lhe aconteça, para além de estar enredado em
processos judiciais. Ou ao país em que um banqueiro pode conseguir
financiamento para empresas do grupo da família, enganando gananciosos
ou analfabetos, sem que nada lhe aconteça. Ou antes, o que lhe acontece é
o Estado substitui-lo como credor.
Bem vindos a um país onde
modestas pessoas, muitas iletradas e info-excluídas, ficam sem uma
agência bancária a poucos quilómetros do sítio isolado onde vivem porque
houve homens integrados nas redes do poder que não pagaram o que deviam
ao banco do Estado que, por sua vez, concedeu esse crédito por
orientações políticas, amiguismo ou critérios duvidosos que estão a ser
avaliados pela justiça.
Bem vindos ao reino em que alguns homens,
que abriram portas financeiras ou jurídicas para outros homens acederem a
centenas de milhões de crédito que lhes dava o estatuto de banqueiros
ou empresários, continuam a com poder para ditar as regras que do reino.
Bem
vindos ao reino onde se leva à miséria quem deve milhares à banca ou se
processa sem dó nem piedade quem deve centenas ao fisco e protege-se, a
coberto do sigilo bancário, quem deve centenas de milhões e tem nas
costas a responsabilidade do dinheiro que alguns bancos precisaram,
nomeadamente a CGD.
Bem vindos ao reino que, numa luta sem quartel
pela sua auto preservação, defende-se o sigilo bancário como se fosse
um valor absoluto, indiferente à necessidade de apurar responsabilidades
que podem mudar mentalidades e atacar o coração de uma elite rentista
que condena o povo ao subdesenvolvimento.
Bem vindos ao reino da
impunidade, ao reino em que a elite responsável ou cúmplice do problema
dos bancos vai armadilhando a justiça com falta de meios e assim se vai
preservando.
Bem vindos, enfim, a um reino que devia ser de uma fantasia de terror.
Quando
se diz que não há uma única pessoa responsabilizada pelo que se passou
na banca portuguesa é dizer pouco. Porque além de não existirem
responsáveis pela concessão de crédito sem a devida avaliação de risco
ou com critérios duvidosos – porque é disso que se trata e não de
eventos inesperados que geraram incumprimento -, há igualmente grandes
devedores que se podem dar ao luxo de continuara dever e, no limite, a
fingirem que são empresários porque são protegidos pelo “sigilo
bancário”.
Como se tudo isto não bastasse está criada em alguns bancos a ideia de adiar ainda mais a limpeza do malparado, opondo-se à proposta da iniciativa da Alemanha e da França de obrigar a uma redução para 5% da carteira de crédito. E ouvimos da Associação Portuguesa de Bancos exactamente os mesmos argumentos
usados para convencer a troika a não aplicar em Portugal a solução de
limpeza geral usada na Irlanda – e que a CGD acabou por adoptar no seu
último aumento de capital. Estamos à espera de uma nova crise para
termos ainda de gastar mais dinheiro a salvar bancos? (Atenção que a
salvação dos bancos é uma expressão lata para dizer que estamos a
salvar, e bem, depósitos. Mas esta solução que considero ser a que tem
menos custos para a economia não pode ser o caminho para
desresponsabilizar quem fez uma gestão danosa e perdoar grandes
devedores).
Quem assim reina frequentou as mesmas escolas ou
colégios, as mesmas faculdades, concentra-se basicamente em Lisboa, é um
grupo de amigos e conhecidos que troca cumplicidades e favores. Um
grupo transversal aos partidos que vai expurgando quem a ele não
pertence ou se atreve a tentar mudar esta elite que controla o poder a
seu favor, mesmo com discursos de defesa do povo. Este reino da
impunidade terá um dia consequências graves. Por tudo isto mas também
pelo que temos assistido nos últimos tempos, resta-nos estar gratos por
não termos ainda em Portugal um partido populista de tipo autoritário em
Portugal.
IN "OBSERVADOR"
05/07/18
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